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Questão problemática diz respeito à dedução dos materiais fornecidos pelo prestador de serviços nas obras de construção civil. Após a promulgação da Carta Magna de 1988, alguns municípios passaram a advogar a tese de que a nova carta constitucional não teria recepcionado o Decreto-lei (DL) nº 406, de 31 de dezembro de 1968, que em seu artigo 9º , parágrafo 2º , alínea 'a', expressamente previa, quanto ao ISS, a dedução dos valores "fornecidos pelo prestador dos serviços".

Após o advento da Lei Complementar (LC) nº 116, de 2003, que repetiu integralmente os termos do DL 406, o argumento pela não dedução dos materiais passou a ser outro, qual seja, o de que se trataria de uma isenção não prevista constitucionalmente. Somente os materiais produzidos pela própria construtora seriam passíveis de dedução.

Diante da inconformidade dos contribuintes, tais municípios, em vez de aceitarem integralmente a dedução dos materiais, como seria o correto, optaram por reduzir o valor da alíquota do ISS. Outros nada fizeram, simplesmente inadmitindo qualquer dedução.

Raros, portanto, são os que, sensatamente, admitem a dedução do material ou, a critério do contribuinte, a adoção de uma base de cálculo presumida equivalente, em geral, a 40% das receitas obtidas com a obra.

Após anos de discussões judiciais, o Supremo Tribunal Federal (STF), através da ministra Ellen Gracie (Recurso Extraordinário 603.497), recentemente decidiu, com status de repercussão geral - ou seja, instituto que visa a orientar os julgamentos dos processos sobre o tema em todas as instâncias da Justiça -, pela possibilidade de dedução, da base de cálculo do Imposto sobre Serviços, de gastos com materiais de construção, independentemente de terem sido produzidos, ou não, pela própria construtora. Senão, vejamos: "Esta Corte firmou o entendimento no sentido da possibilidade da dedução da base de cálculo do ISS dos materiais empregados na construção civil."

A verdade é que, com o intuito de evitar essa indevida cobrança, as empreiteiras e construtoras, mesmo antes da prolação da recente decisão do STF, já vinham faturando a compra dos materiais usados nas obras diretamente de seus contratantes (o que evitava a incidência do imposto sobre este montante); e isso, saliente-se, apesar de a essência dessas contratações geralmente caracterizarem uma empreitada global (contratação essa que prevê, além da prestação dos serviços, o fornecimento de materiais).

Esse planejamento tributário, porém, embora servisse às contratações com a iniciativa privada, é incompatível com a contratação de obras pelo setor público, eis que, nestes casos, não é possível atribuir ao órgão público a compra de materiais para as obras por ele contratadas (imagine-se o quanto cada licitação de material prejudicaria o natural andamento de uma obra).

Nessas contratações, então, é usual que ocorram retenções indevidas do ISS, eis que incidente não somente sobre o valor do serviço prestado, mas também sobre os materiais fornecidos (os quais, como nunca é demais notar, representam geralmente 60% do valor das notas).

E aqui a ironia da questão: a decisão da ministra Ellen Gracie não influirá nas contas daqueles municípios que, por permitirem a dedução dos materiais, pautaram-se até agora pelo bom senso. Por outro lado, os municípios que fizeram uma interpretação tendenciosa e equivocada da LC 116 (como já o faziam do anterior DL 406), serão confrontados, agora, por uma avalanche de decisões judiciais que, além da devolução dos valores indevidamente cobrados - com juros e correção monetária -, redundarão em pesados ônus sucumbenciais.

Isso tudo, aliás, sem esquecermos de que, devido à redução das alíquotas (artifício utilizado justamente para não admissão da dedução dos materiais empregados na construção civil), muitos deles já vinham arrecadando valor inferior de ISS. Que sirva de lição.

Sérgio Lewin e Daniel Báril são sócios do Silveiro Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor Econômico


COMENTÁRIO DE OMAR AUGUSTO LEITE MELO: mais uma notícia sobre esse assunto bastante polêmico.

Conforme já me pronunciei em outros artigos ou comentários na Revista Eletrônica Tributo Municipal – www.tributomunicipal.com.br, na minha opinião, a mencionada decisão do STF está sendo mal interpretada por boa parte dos operadores do Direito Tributário (fiscais, procuradores municipais, consultores e contribuintes).

Inicialmente, eu tenho uma particular visão de que os materiais deveriam ser deduzidos da base de cálculo do ISS, mas por uma questão de Justiça Fiscal ou “melhor” adequação de sua base; no entanto, digo isso apenas de “lege ferenda”, como um comentarista de Política Fiscal ou Justiça Tributária, e não como um operador (ou operário) do Direito Tributário.

À luz da legislação federal (nacional) de regência (LC 116/2003), entendo que os materiais não devem ser deduzidos da base de cálculo, conforme já vem entendendo pacificamente o Superior Tribunal de Justiça, que é o tribunal competente para interpretar e aplicar a legislação federal em última instância.

Aliás, essa informação é muito importante: não cabe ao STF interpretar a legislação federal em último grau de jurisdição; esta prerrogativa é do STJ; o STF apenas pode analisar a validade da legislação em confronto com a Constituição Federal. Com efeito, essa ciência a respeito das competências do STF e do STJ é de suma importância para esse tema, pois, atualmente, convivemos com dois posicionamentos APARENTEMENTE antagônicos, levando à falsa crença de que essa decisão do STF prevaleceria sobre o posicionamento do STJ (tanto por ser mais recente, como, também, por advir do STF, a nossa Suprema Corte). Ledo engano!

Mas, então, como conciliar esse conflito “aparente” de jurisprudência entre o STF e STJ? O STF decidiu que “é constitucional a dedução dos materiais da base de cálculo do ISS na construção civil”; ao passo que o STJ sacramentou que “os materiais não podem ser deduzidos da base de cálculo do ISS”. O que, efetivamente, deve prevalecer?

Para responder essa questão, é necessário analisar a (recente) decisão do STF nos recursos extraordinários nº 579.431, nº 580.108 e nº 582.650, todos sob a relatoria da Ministra Ellen Gracie.

Conforme relatado pela Ministra, o STF já pacificou o entendimento de que é CONSTITUCIONAL a dedução dos materiais da base de cálculo do ISS sobre a construção civil:

“Ademais, verifico que a matéria já se encontra pacificada no âmbito desta Corte, no sentido da possibilidade da dedução da base de cálculo do ISS dos materiais empregados na construção civil. Cito os seguintes julgados: RE 262.598, red. para o acórdão Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJe 27.09.2007; RE 362.666-AgR, rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJe 27.03.2008; RE 239.360-AgR, rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJe 31.07.2008; RE 438.166-AgR, rel. Min. Carlos Britto, 1ª Turma, DJ 28.04.2006; AI 619.095-AgR, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 17.08.2007; RE 214.414-AgR, rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ 29.11.2002; AI 675.163, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 06.09.2007; RE 575.684, rel. Min. Cezar Peluso, DJe 15.09.2009; AI 720.338, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 25.02.2009; RE 602.618, rel. Min. Celso de Mello, DJe 15.09.2009”.

Essa análise por parte do STF, como não poderia deixar de ser, apenas enfrentou o tema da CONSTITUCIONALIDADE, isto é, “a dedução é constitucional”, “a dedução não fere a autonomia municipal”, “a legislação federal/municipal que (“se”) prever tal dedução não violará os ditames constitucionais”; “não fere a igualdade”, “não é uma isenção heterônoma” (isenção de tributo municipal por parte da União). No próprio texto acima comentado há um histórico bastante interessante: com o advento da CF/88, os Municípios alegaram que a dedução dos materiais (“prevista no DL nº 406/68”) seria inconstitucional, porque tal lei federal estaria concedendo uma ISENÇÃO sobre um imposto municipal. Repito: essa alegação municipal, derrotada no STF, partiu do PRESSUPOSTO de que a lei federal (norma geral do ISS = à época, o DL nº 406/68) concedia essa dedução. O STF, portanto, não interpretou o DL 406/68; não foi o STF que viu no DL 406/68 a previsão da dedução dos materiais.

A próprio, é bom que se diga que o caso levado ao STF se refere ao período anterior à LC nº 116/2003.

Portanto, podemos concluir que as decisões do STF em torno desse assunto sempre partiram do PRESSUPOSTO de que a dedução dos materiais estava previsto/autorizado/determinado na legislação nacional de regência do ISS (no caso dos processos envolvidos: DL nº 406/68). Tanto que, na essência, o que o STF decidiu foi que a referida dedução não se trata de uma ISENÇÃO (favor legal; benefício fiscal), mas sim de uma MERA COMPOSIÇÃO DA BASE DE CÁLCULO, à luz do art. 146, inciso III, letra “a”, da Constituição Federal.

Assim, podemos afirmar com tranqüilidade que o STF não decidiu que a base de cálculo do ISS “deve” ser deduzida dos materiais, sob pena de inconstitucionalidade; o que foi unicamente decidido é que, “uma vez previsto na norma geral do ISS” (lei complementar nacional de regência do imposto – art. 146, III, “a”, CF: DL nº 406/68 até 2003; LC nº 116/2003 a partir de 2004), a dedução da base do ISS dos materiais utilizados na construção civil será constitucional, por conseguinte, os Municípios terão que “engolir” esses “descontos” (na essência, não seria um “benefício fiscal”, mas sim uma “definição” da base imponível do ISS).

Diante disso, é que vem a tona o entendimento pacificado pelo STJ sobre essa norma geral/nacional de regência do ISS (tanto à luz do DL nº 406/68 como da LC 116/2003): o STJ entende que essa dedução não está prevista na norma geral, não está autorizada diretamente pela lei nacional que rege o ISS.

Com isso, concluo que não existe o “pressuposto” para valer a decisão do STF, qual seja: lei nacional autorizando a dedução. Ao interpretar em última instância esse tema afeto à legislação infraconstitucional, o STJ ratificou a tese apresentada pelos Fiscos Municipais contra a dedução dos materiais. Na verdade, a dedução somente está autorizada pela LC 116/2003.

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