A maior efetividade da cobrança decorreria da possibilidade de envio dos dados do pretenso devedor aos cadastros de restrição ao crédito, nos termos dos artigos 29 e 30 da Lei 9.492/1997:
“Art. 29 – Os cartórios fornecerão às entidades representativas da indústria e do comércio ou àquelas vinculadas à proteção do crédito, quando solicitada, certidão diária, em forma de relação, dos protestos tirados e dos cancelamentos efetuados, com a nota de se cuidar de informação reservada, da qual não se poderá dar publicidade pela imprensa, nem mesmo parcialmente (Redação dada pela Lei nº 9.841, de 5.10.1999).
§ 1º O fornecimento da certidão será suspenso caso se desatenda ao disposto no caput ou se forneçam informações de protestos cancelados. (Redação dada pela Lei nº 9.841, de 5.10.1999).
§ 2º Dos cadastros ou bancos de dados das entidades referidas no caput somente serão prestadas informações restritivas de crédito oriundas de títulos ou documentos de dívidas regularmente protestados cujos registros não foram cancelados. (Redação dada pela Lei nº 9.841, de 5.10.1999)”. (grifos nossos)
“Art. 30 – As certidões, informações e relações serão elaboradas pelo nome dos devedores, conforme previstos no § 4º do art. 21 desta Lei, devidamente identificados, e abrangerão os protestos lavrados e registrados por falta de pagamento, de aceite ou de devolução, vedada a exclusão ou omissão de nomes e de protestos, ainda que provisória ou parcial.” (grifos nossos)
Num primeiro olhar, analisando-se aritmeticamente a questão e deixando-se de lado a discussão sobre sua constitucionalidade, o protesto de débitos inscritos em dívida ativa pode parecer a melhor das soluções.
Entretanto, com o devido respeito aos defensores desse procedimento, entendemos que o tema não deve ser avaliado sem considerarmos as inconsistências que infelizmente têm cercado a cobrança de débitos pelas Fazendas Públicas Federal, estaduais e municipais.
Isso porque não é raro vermos a cobrança de débitos extintos por pagamento, prescrição, decadência, ou com sua exigibilidade suspensa (depósito, parcelamento e pendência de decisão na esfera administrativa, por exemplo).
Com isso, em tais situações, os contribuintes terão seus dados enviados aos cadastros restritivos, sujeitando-se aos gravíssimos efeitos decorrentes desse ato, em razão de dívidas manifestamente descabidas.
Nessa esdrúxula hipótese, parece-nos não haver dúvida quanto à necessidade de reparação dos danos eventualmente causados aos contribuintes, inclusive através da restituição dos custos incorridos em virtude da cobrança indevida, como, por exemplo, gastos com advogados e despesas relativas à garantia da dívida para fins de emissão de certidão de regularidade fiscal e oposição de embargos à execução.
Embora o Superior Tribunal de Justiça tenha manifestado entendimento no sentido de que “não é razoável cogitar de dano moral in re ipsa pelo simples protesto da Certidão de Dívida Ativa” (REsp 1093601/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 18/11/2008, DJe 15/12/2008), os Tribunais vêm decidindo pela necessidade de reparação de danos, inclusive morais, quando comprovada a mácula. Veja-se:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL. MEDIDA LIMINAR DE AÇÃO CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO. CDA. DANO MORAL IN RE IPSA. NÃO OCORRÊNCIA. INDEFERIMENTO DA TUTELA DE URGÊNCIA. IMPROVIMENTO DO RECURSO.
1. Cuida-se de agravo de instrumento interposto pela agravante em face do INMETRO contra decisão interlocutória que, no bojo da ação cautelar de sustação de protesto proposta por aquela em face deste, indeferiu a medida liminar pretendida pela agravante, a qual, por seu turno, consistia em sustar, antes da citação do agravado, o ato de protesto da CDA por dívida ativa inscrita pela autarquia, ao fundamento de que o ato de protesto de CDA, por ser considerado desnecessário pela jurisprudência pátria dominante para fins de cobrança de dívida ativa, acarretar-lhe-á danos morais in re ipsa.. (…)
3. In casu, a agravada não preenche os requisitos autorizadores da tutela de urgência, quais sejam o fumus boni iuris e o periculum in mora. Não obstante a desnecessidade e a inutilidade do protesto da CDA para a cobrança de dívida ativa regularmente inscrita, tal ato cartorário, por si só, não é capaz de acarretar dano moral in re ipsa. Há, ao contrário, a necessidade de um mínimo de provas efetivas e concretas capazes de demonstrar a mácula da honra objetiva alegada pela agravante, no caso concreto, tal qual ocorreria acaso trouxesse à baila prova documental apta a demonstrar a negativa de crédito por alguma instituição financeira, uma eventual resposta negativa de algum oblato quando da apresentação de alguma proposta negocial pela sociedade agravante, ou eventual carta de cobrança de algum credor apto a demonstrar a diminuição de lucros da sociedade. Porém, nenhuma prova neste sentido, foi carreada pela agravante, a qual limitou-se a tecer considerações genéricas e superficiais de supostos danos morais in re ipsa, cabendo-lhe, pois, suportar as consequencias de não ter se desincumbido, na fase de postulação, do ônus probatório que lhe é imposto pelo art. 333, inciso I, do CPC. (…)
(TRF2; Sexta Turma Especializada; AG 201202010209989, Des. Fed. Guilherme Calmon Nogueira da Gama, E-DJF2R – Data: 19/04/2013.) – (grifos nossos).
Em casos semelhantes, como na hipótese de indevida inscrição no Cadastro Informativo de créditos não quitados do setor público federal (Cadin), a jurisprudência está se consolidando favoravelmente à reparação dos danos sofridos pelo contribuinte:
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA E NO CADIN. AJUIZAMENTO DE EXECUTIVO FISCAL. DÉBITO COM EXIGIBILIDADE SUSPENSA POR DECISÃO JUDICIAL. DANO MORAL. CABIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Para configurar a responsabilidade civil do Estado é necessário que se comprove a existência cumulativa de conduta – que consiste em uma ação ou omissão voluntária – dano – ou seja, uma lesão juridicamente relevante de ordem moral, material ou estética – e nexo de causalidade – consistente no liame fático a demonstrar qual conduta foi capaz de gerar o dano sofrido.
2. Da análise dos autos, depreende-se que a UNIÃO FEDERAL inscreveu em dívida ativa, com o consequente ajuizamento de execução fiscal e inscrição no CADIN, débito que estava inexigível por força de decisão judicial, o que revela não só a ilegalidade de sua conduta, como também o dano moral sofrido pela apelada, que teve o nome inscrito indevidamente em cadastro de inadimplentes, além de ter sido ilegitimamente demanda.
3. O quantum indenizatório fixado pelo magistrado sentenciante – R$3.000,00 (três mil reais)- é proporcional, adequado e razoável, além de conciliar a pretensão compensatória, pedagógica e punitiva da indenização do dano moral com o princípio da vedação do enriquecimento sem causa. (…)
(TRF2; Quinta Turma Especializada; AG 200950010038850, Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, E-DJF2R – Data: 05/02/2014.)
Se não bastasse, tal situação torna-se ainda mais dramática se considerarmos: (a) que a inclusão do contribuinte nos cadastros restritivos ao crédito dificulta, em termos práticos, a contratação de fiança bancária e até mesmo do tão questionado seguro garantia judicial; e (b) a orientação consolidada pelo STJ, no julgamento do Recurso Especial 1.184.765-PA, através da sistemática dos Recursos Repetitivos (art. 543-C do Código de Processo Civil – CPC), que privilegia o dinheiro em detrimento das demais formas de garantia previstas no artigo 9º da Lei 6.830/1980.
Portanto, nas hipóteses acima mencionadas, o contribuinte não só estará sujeito à cobrança de débitos manifestamente indevidos e aos perturbadores efeitos de sua inscrição nos cadastrados restritivos de crédito, como também sofrerá o ônus decorrente do entendimento jurisprudencial que privilegia o dinheiro em relação aos demais meios de garantia de débitos, posicionamento esse que tem sido mitigado em raros casos.
Diante desse cenário, caso não seja utilizado com extrema cautela, reputamos que o protesto de débitos inscritos em dívida ativa poderá passar de herói a vilão num curto lapso temporal, especialmente no que se refere ao custo resultante de sua utilização e à redução do número de processos judiciais instaurados para cobrança de dívidas.
Assim é porque, se as Fazendas Públicas sofrerem constantes condenações ao ressarcimento de danos causados pela descabida inscrição de contribuintes em cadastros restritivos, tal procedimento poderá se tornar questionável sob o ponto de vista financeiro.
Esse aspecto ganha maior relevância se recordarmos que tal reparação levará em consideração o dano causado, não tendo qualquer vinculação com o valor débito indevidamente exigido. Por outras palavras, nada impede que a condenação à reparação de danos seja superior ao próprio débito que a originou.
Em decorrência, relativamente à redução do número de processos, essa premissa também restará superada caso haja o expressivo aumento de demandas movidas contra as Fazendas Públicas para o ressarcimento de danos frutos da cobrança de débitos.
Por último, não se pretende aqui tratar a exigência de dívidas insubsistentes como regra e, menos ainda, sustentar que a cobrança da dívida ativa deve estar pautada em situações excepcionais.
Ao contrário, pelos motivos acima expostos, deixando-se mais uma vez de lado a discussão sobre a constitucionalidade do protesto de débitos inscritos em dívida ativa, consideramos pertinente alertar para o fato de que as premissas adotadas para defender esse meio de cobrança são frágeis e não devem ser avaliadas de maneira aritmética, eis que podem causar o efeito inverso ao inicialmente pretendido, qual seja, a criação de método menos custoso e mais eficiente para a exigência de supostas dívidas.
Rafael Capaz Goulart é advogado, sócio do escritório Abreu Faria, Goulart & Santos Advogados, professor da Escola Superior da Advocacia (ESA) e membro da Comissão Especial de Assuntos Tributários (CEAT) e da Comissão de Assuntos da Justiça Federal (CAJF), ambas da OAB-RJ.
Bruno de Abreu Faria é advogado, pós-graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e sócio do escritório Abreu Faria, Goulart & Santos Advogados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
COMENTÁRIO DE OMAR AUGUSTO LEITE MELO: vale destacar a ressalva contida no texto, acerca dos riscos de se protestar uma CDA indevida, uma vez que isso poderá originar ações de indenização por danos morais. Por isso, antes de se protestar uma CDA, é preciso que o Fisco tome os cuidados necessários, até mesmo para verdadeiramente certificar que a dívida inscrita é líquida e certa (artigo 204 do CTN).