FRANCISCO MANGIERI:
Falo do RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO Nº 1.485.056 - GOIÁS.
Através desse agravo, o Município de Iporá - GO tentou reverter acórdão do Tribunal de Justiça de Goiás, que afastou a possibilidade da fiscalização efetuar o lançamento do ITBI em relação à diferença entre o valor do bem declarado pelo contribuinte e o valor avaliado pelo fisco.
O argumento do TJGO é que o transmitente tem o direito de optar por um ou outro valor. Em outras palavras, ele pode integralizar o bem imóvel pelo seu real valor de mercado ou pelo valor constante da declaração do IRPF.
A meu ver, tal argumento é extremamente frágil. Ora, embora a legislação societária e tributária federal validem esse procedimento, isso em nada altera a base de cálculo do ITBI, que continua sendo o valor de mercado. Quer dizer: para fins societários e da tributação do IR, pode ser adotado o valor meramente histórico do bem.
Só que essa sistemática não é possível para o ITBI, que tem a sua base de cálculo fixada por lei complementar nacional, no caso, o art. 38 do CTN. E como já confirmou o STJ, valor venal, para fins de ITBI, é o valor de mercado do bem ou direito transmitido.
Entretanto, o que tem afligido os municípios não é exatamente o acórdão do TJGO, mas uma impressão que ficou de que o STF teria acolhido a exegese do referido Tribunal de Goiás.
Ledo engano!
Vamos aqui tranquilizar e ao mesmo tempo alertar os municípios sobre o decisum e suas consequências e preocupações.
No Recurso Extraordinário em tela apontou-se ofensa ao art. 156, § 2º, inciso I, da Constituição Federal. Sustentou o Município recorrente que “o capital social da recorrida foi integralizado mediante incorporações de imóveis cujo valor é bem superior ao das cotas subscritas, segundo avaliação administrativa anexa, razão pela qual deve incidir o Imposto de Transmissão De Bens Imóveis (ITBI) em relação ao excedente da parcela do imóvel reconhecida como suficiente à integralização do capital social.”
Discorreu-se ainda acerca do alcance do Tema 796 da sistemática da repercussão geral e defendeu-se que a imunidade referente ao ITBI deve ter como base de cálculo o valor venal do imóvel e não o valor do imóvel indicado em declaração de imposto de renda, sob pena de violação ao princípio da legalidade.
O Tribunal de origem inadmitiu o apelo extremo ante a incidência da Súmula 279. Esta reza que "para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário".
E o Ministro Edson Fachin, do STF, monocraticamente, acolheu esse argumento, negando provimento ao Recurso Extraordinário, aduzindo tratar-se de questão de cunho probatório e, ainda, que necessita de análise da legislação infraconstitucional.
Chamo a atenção dos leitores para esse ponto que é crucial: o presente RE foi desprovido por questões formais ligadas ao revolvimento de matéria fática e à falta de competência do STF para julgar normas infraconstitucionais, in casu, o teor do art. 38 do CTN.
Isso não quer dizer que o STF impediu os municípios de lançarem o ITBI em tais situações. A negativa, nesse caso, baseou-se em questão simplesmente processual. O mérito não foi analisado pelo "Guardião da Constituição" no citado RE com Agravo nº 1.485.056
Aliás, devemos rememorar que o mesmo STF (Primeira Turma) já validou a cobrança de ITBI nesses casos por meio do AG. REG. NA RECLAMAÇÃO Nº 57.836 - SÃO PAULO (citada, inclusive, pelo Ministro Fachin, nessa nova decisão), cuja ementa transcrevemos abaixo:
"CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. APLICAÇÃO INDEVIDA DA TESE FIRMADA NO TEMA 796-RG. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ESTRITA ADERÊNCIA. RECURSO DE AGRAVO DESPROVIDO.
1. No Tema 796-RG, fixou-se a seguinte tese: ´A imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado.´
"2. Decisão reclamada que não nega a imunidade limitada conforme decisão da CORTE, mas afirma a regularidade da base de cálculo fixada sobre o valor venal do imóvel atribuído pelo Município. Objeto da decisão reclamada que não se identifica com o fundamento de fato do Tema 796-RG.
3. Fixação do valor venal do bem imóvel é atribuição específica da municipalidade, permitida eventual revisão judicial pela parte interessada. Ausência de teratologia da decisão que, de forma geral, aceita a presunção de legitimidade do ato administrativo para o lançamento do tributo, independentemente da existência de parcela imune que não ensejará lançamento e recolhimento do tributo.
4. Recurso de Agravo a que se nega provimento."
Eis o fundamento que deve ser evidenciado pelos municípios nas instâncias ordinárias para evitar esse tipo de ocorrência no STF ou mesmo no STJ.
Dito de outro modo, o município deve esgotar suas munições na primeira e segunda instâncias, procurando alcançar, a todo custo, o convencimento dos órgãos judiciários sobre o tema.
É preciso, pois, apresentar, anunciar, divulgar e demonstrar, com clareza e precisão, essa tese vencedora no STF às instâncias judiciárias ordinárias.
Caso contrário, o fisco municipal poderá ser impedido de tributar por questões processuais, sendo que o mérito está a seu favor.
Leia a decisão monocrática do STF.