O Fisco entendeu que incide Imposto de Renda sobre remessas de recursos para o pagamento de manuais, cujo conteúdo editorial é produzido no exterior e transmitido pela internet para uma empresa situada no Brasil que, posteriormente, imprimirá o material. Para o consultor Sérgio André Rocha, sócio da área de tributos da Ernst & Young, a Receita está tributando o material como se tivesse sido impresso no país. “Não importa se foi por download ou não”, diz. Para o tributarista, esse entendimento demonstra a necessidade de atualização da legislação brasileira. “Há países onde há regras específicas sobre tributação de comércio eletrônico.”
Se uma pessoa compra um software no exterior pela internet e paga com cartão de crédito pelo download, desembolsará apenas o preço do produto e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Mas, se a aquisição é feita por empresa, ela é obrigada a pagar por meio do Banco Central, de acordo com o regulamento do Imposto de Renda. “O regulamento, no entanto, não fala em download, mas em remessa para o pagamento de serviço”, alerta José Antenor Nogueira do Rocha, do escritório Nogueira da Rocha Advogados.
No Judiciário, as decisões têm sido desfavoráveis aos contribuintes. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm entendido que não há imunidade sobre mídias eletrônicas. Ela só valeria para os livros em papel, não em CD-ROM. E, recentemente, uma decisão do Pleno do STF, por maioria de votos, autorizou o Estado do Mato Grosso a cobrar ICMS sobre softwares comercializados por meio de download.
No caso analisado pela Receita, a controvérsia se dá na equiparação de manuais à prestação de serviços. Para o advogado Eduardo Botelho Kiralyhegy, do escritório Negreiro, Medeiros & Kiralyhegy Advogados, o Fisco pode ter interpretado a compra do manual como um serviço técnico, pois sua execução dependeria de conhecimentos especializados, prestados por profissionais liberais. “Mas, para uma avaliação precisa, seria importante avaliar o que são exatamente os tais manuais”, diz. O advogado chama atenção ainda para o fato de que a relação era entre uma empresa brasileira e outra norte-americana e o Fisco considerou o tratado firmado pelo países para evitar a bitributação. “Assim, o imposto recolhido no Brasil poderia ser compensado nos Estados Unidos.”
Comentário de Omar Augusto Leite Melo: a tributação sobre o comércio eletrônico (bens/serviços digitais) ainda vai motivar discussões bastante acirradas no contencioso administrativo e, é claro, no Judiciário e no Legislativo. O STF já pacificou que o software pode, sim, ser tributado. O problema é identificar a natureza da operação realizada em cima de um bem digital: prestação de serviço ou circulação de mercadoria? Os reflexos dessa discussão extravasam a guerra fiscal entre Estados (ICMS) e Municípios (ISS), pois também traz conseqüências no campo tributário federal: lucro presumido (32% ou 8%, no caso do IRPJ; 32% ou 12%, para CSLL?), importações (incide II, PIS/COFINS-importação, IRRF?). Particularmente, também entendo que o STF já enfrentou essa questão no RE nº 176.626 (leading case), quando separou os dois tipos de programas de computador (bem digital): o programa de computador “de prateleira” (padronizado, pronto e disponível a qualquer interessado) é uma mercadoria/produto; e o programa de computador desenvolvido “sob encomenda” (personalizado, feito “sob medida” ao usuário) é uma prestação de serviço. Infelizmente, pelo que se lê da notícia acima, não se enfrentou tais considerações. Por outro lado, a notícia também acabou confundindo software com livro eletrônico. Obviamente, nem todo arquivo configura um e-book. O STF, conforme dito acima, já pacificou que cabe a tributação dos bens virtuais (programas de computador, arquivos baixados via download), ou seja, existe tributação no comércio eletrônico sim! Agora, e quando o conteúdo do arquivo for o mesmo de um livro? Ou seja, existe imunidade sobre o livro eletrônico? Esse assunto ainda não foi julgado pelo STF, havendo, no momento, apenas a manifestação favorável ao Fisco (contra a imunidade) por parte do ministro Tóffoli. Quanto ao ISS, devem ser analisados os seguintes subitens da Lista de Serviços da LC 116/2003: 1.03, 1.04, 1.05 e 13.04.