CONSTITUCIONALIDADE DO ISS COM CARGA TRIBUTÁRIA ABAIXO DE 2%
Omar Augusto Leite Melo
Há municípios brasileiros que fixam alíquota do ISS inferior a 2% ou, então, prevêem alíquota de 2%, mas com redução da base de cálculo. Em outras palavras, há municípios cujo o ISS tem carga tributária inferior a 2% do preço do serviço. É válido esse incentivo fiscal?
Na minha opinião, depende. Depende do serviço envolvido.
A Emenda Constitucional nº 37/2002 acrescentou o artigo 88 no ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), que versa sobre esse tema, se não vejamos:
“Art. 88. Enquanto lei complementar não disciplinar o disposto nos incisos I e III do §3º do art. 156 da Constituição Federal, o imposto a que se refere o inciso III do caput do mesmo artigo [ISS]:
I – terá alíquota mínima de dois por cento, exceto para os serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968;
II – não será objeto de concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, que resulte, direta ou indiretamente, na redução da alíquota mínima estabelecida no inciso I”.
A exceção trazida pelo inciso I explica a razão de ser dessa vedação constitucional: evitar a guerra fiscal entre os Municípios, vedando a criação de incentivos fiscais que reduzam a carga tributária do ISS para menos do que 2% da base de cálculo do imposto (preço do serviço). Pretende-se evitar a existência de “paraísos fiscais” no campo do ISS, como estava ocorrendo em alguns municípios. Aliás, a Emenda nº 37/2002 surgiu como uma medida repressiva (acabar com o que estava ocorrendo), e não como uma prevenção.
Com efeito, o inciso I do artigo 88 permite que os serviços descritos nos itens 32, 33 e 34 do DL 406/68 recebessem uma alíquota ou carga tributária inferior a 2%. Por que será? O que esses serviços tinham de especial para merecer tal exceção?
Ora, esses serviços tratam da construção civil. O DL 406/68 expressamente previa que, em tais serviços, o ISS sempre era devido no local da obra, e não no local do estabelecimento prestador. Em outras palavras, esses serviços de construção civil estavam (e ainda estão) naturalmente fora (imune) da guerra fiscal. Daí a exceção.
Ocorre que o DL 406/68 foi substituído pela LC 116/2003. Esta norma nacional do ISS, em seu artigo 3º (incisos), prevê vinte exceções que deslocam o elemento espacial da regra-matriz de incidência do ISS para o local onde o serviço foi executado, e não no local do estabelecimento prestador.
Dessa forma, os serviços excepcionados pelos incisos do artigo 3º da LC 116/2003 também fazem parte do rol de serviços que podem ter uma alíquota (ou carga tributária) do ISS inferior a 2%, tal como a construção civil.
Como se pretendeu demonstrar, chega-se à essa fácil conclusão através de uma interpretação teleológica (finalística) e histórica do artigo 88 do ADCT.
Ademais, o Pleno do Supremo Tribunal Federal decidiu um caso praticamente idêntico, mas voltado ao ICMS, outro imposto que também sofre constantes guerras fiscais entre os Estados (aliás, com muito mais intensidade e impacto do que o ISS). Com efeito, na ADIN nº 3.421/PR, relator Ministro Marco Aurélio, j. 05/05/2010, v.u., o STF validou a concessão de benefício fiscal (isenção) do ICMS que o Estado do Paraná concedeu em prol das igrejas, nas contas de água, luz, telefone e gás (artigo 1º da Lei Paranaense nº 14.586/2004), ainda que esse benefício não tenha passado pelo crivo do CONFAZ (LC 24/75, artigos 155, §2º, XII, “g”, da CF).
Basicamente, o STF afastou a exigência de aprovação do benefício fiscal através de convênio entre todas as entidades estaduais para este caso, sob o argumento de que referido incentivo não criava nenhum tipo de guerra fiscal, de concorrência tributária entre os estados. A ementa desse acórdão foi assim redigida:
“ICMS – Serviços públicos estaduais próprios, delegados, terceirizados ou privatizados de água, luz telefone e gás – Igrejas e templos de qualquer culto – contas – afastamento – ‘guerra fiscal’ – ausência de configuração. Longe fica de exigir consenso dos Estados a outorga de benefícios a igrejas e templos de qualquer crença para excluir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços nas contas de serviços públicos de água, luz, telefone e gás”.
Enfim, o artigo 88 do ADCT não impede a concessão de incentivos fiscais de ISS sobre os vinte serviços previstos nos incisos do artigo 3º da Lei Complementar nº 116/2003, diante da não configuração de “guerra fiscal” em torno deles.
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ISS