AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 55.873 - RS (2011/0160962-5) RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS AGRAVANTE : MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE PROCURADOR : CRISTIANO SILVESTRIN DE SOUZA E OUTRO(S) AGRAVADO : EDUARDO RIZZO KUHN ADVOGADO : RACHEL BERGSCH E OUTRO(S) PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ITBI. IMUNIDADE. MATÉRIA ANALISADA PELA CORTE DE ORIGEM À LUZ DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO. COMPETÊNCIA DO STF. AGRAVO CONHECIDO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. DECISÃO Vistos. Cuida-se de agravo interposto pelo MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE contra decisão que obstou a subida de recurso especial, em demanda relativa a ITBI. Extrai-se dos autos que o agravante interpôs recurso especial, com fundamento no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal d
e Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que negou provimento ao recurso de apelação do agravante nos termos da seguinte ementa (e-STJ fls. 179/190): "APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. TRIBUTÁRIO E CONSTITUCIONAL. ITBI. ART. 156, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETE AOS MUNICÍPIOS INSTITUIR IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO "INTER VIVOS", A QUALQUER TÍTULO, POR ATO ONEROSO, DE BENS IMÓVEIS, POR NATUREZA OU ACESSÃO FÍSICA, E DE DIREITOS REAIS SOBRE IMÓVEIS, EXCETO OS DE GARANTIA, BEM COMO CESSÃO DE DIREITOS A SUA AQUISIÇÃO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. INCISO I DO § 2º DO ART. 156 DA CARTA MAGNA. O IMPOSTO NÃO INCIDE SOBRE A TRANSMISSÃO DE BENS OU DIREITOS INCORPORADOS AO PATRIMÔNIO DE PESSOA JURÍDICA EM REALIZAÇÃO DE CAPITAL, NEM SOBRE A TRANSMISSÃO DE BENS OU DIREITOS DECORRENTE DE FUSÃO, INCORPORAÇÃO, CISÃO OU EXTINÇÃO DE PESSOA JURÍDICA, SALVO SE,
NESSES CASOS, A ATIVIDADE PREPONDERANTE DO ADQUIRENTE FOR A COMPRA E VENDA DESSES BENS OU DIREITOS, LOCAÇÃO DE BENS IMÓVEIS OU ARRENDAMENTO MERCANTIL. CASO CONCRETO EM QUE OCORREU A EXTINÇÃO DA SOCIEDADE COM DEVOLUÇÃO DO CAPITAL AO SÓCIO. INAPLICABILIDADE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 36 E CAPUT DO ART. 37, AMBOS DO CTN. À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO APELO, CONFIRMANDO A SENTENÇA EM REEXAME NECESSÁRIO." Sem embargos de declaração. Nas razões do recurso especial, a recorrente aduz violação do art. 36, parágrafo único, do CTN, tendo em vista o indevido reconhecimento da imunidade. Oferecidas as contrarrazões ao recurso especial (e-STJ fls. 213/224), sobreveio o juízo de admissibilidade negativo na instância de origem (e-STJ fls. 237/243), o que ensejou a interposição do presente agravo. Foi apresentada contraminuta do agravo (e-STJ fls. 263/276). É, no essencial,
o relatório. Atendidos os pressupostos de admissibilidade do agravo, passo ao exame do recurso especial. No caso dos autos, o Tribunal de origem firmou entendimento no sentido da não incidência de ITBI, tendo em vista que a desincorporação do imóvel utilizado na formação do capital social é causa de imunidade prevista no art. 156, § 2º, inciso I, da CF. Para melhor ilustração do caso, transcrevo a decisão proferida pelo Tribunal de origem: "Eminentes colegas, não merece reforma a decisão hostilizada, a qual entendeu aplicável norma constitucional de imunidade tributária à operação de transferência de propriedade dos imóveis 127.784, 127.789, 127.800 e 127.801/CRI 1ª Zona/Porto Alegre ao impetrante. Pois bem, sabe-se que o ITBI é imposto que incide sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos reais a eles rel
ativos, conforme se constata da leitura do art. 156, inciso II, da Constituição Federal: 'Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...) II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; (...)” Ocorre que, consoante explicita o § 2º, inciso I, do dispositivo acima mencionado, 'o imposto (...) não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento
mercantil'. Trata-se, pois, de regra de imunidade tributária. Sacha Calmon Navarro Coelho, citando Pontes de Miranda, explica que: 'A regra jurídica de imunidade é regra jurídica no plano da competência dos poderes públicos – obsta à atividade legislativa impositiva, retira do corpo que cria impostos qualquer competência para pôr na espécie'. Assim, o constituinte, ao mesmo tempo em que concedeu poder e competência às pessoas políticas para a instituição de impostos sobre a transmissão de bens imóveis, por exemplo, também vedou o exercício dessas mesmas competências sobre certas transmissões imobiliárias, no caso, sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital e sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica. A regra colima facilitar a m
obilização dos bens de raiz e a sua posterior desmobilização, de modo a facilitar a formação, a transformação, a fusão, a cisão e a extinção de sociedades civis e comerciais, não embaraçando com o ITBI a movimentação dos imóveis, quando comprometidos com tais situações. Em todos estes casos os bens imóveis são transmitidos sem a incidência do ITBI, salvo se os adquirentes tiverem por atividade preponderante – conceito fixado em lei complementar – a compra e venda de bens imóveis ou de direitos a eles relativos ou a locação de bens imóveis lato sensu. No caso em apreço, de acordo com o Distrato Social de fls. 24/31, houve a dissolução e extinção da sociedade Rizzo Kuhn Participações Ltda., cabendo ao sócio Eduardo Rizzo Kuhn, ora apelado, os bens descritos às fls. 33/36, a título de devolução de capital.
Correta a sentença objurgada, que entendeu ser caso de imunidade tributária o fato acima descrito. Ainda que pretenda o Município a aplicação das disposições contidas no CTN, mais precisamente o caput do art. 37, tenho que tal pretensão não merece acolhimento. Inicialmente, porque, na hipótese em apreço, houve a transmissão da totalidade do patrimônio aos sócios, conforme previsto no § 4º do mesmo dispositivo. Ademais, oportuno fazer referência ao posicionamento adotado pelo magistrado de primeiro grau, quando afirma que 'a exceção à regra imunitória, no que diz respeito à atividade preponderante do adquirente, somente deve ser levada em consideração se este é pessoa jurídica, o que não é o caso dos autos, já que se trata de pessoa física, sócia da empresa extinta. Portanto, impertinente é a análise da atividade exercida pelo adquirente'. No mais, tenho que também nÃ
£o parece ser a mais adequada a interpretação feita pelo Município demandado no sentido de que apenas haveria falar em imunidade tributária quando o bem retorna ao mesmo sócio que o entregou à sociedade como forma de integralização de sua quota, ou seja, pretende o ente público a aplicação ao caso da regra contida no parágrafo único do art. 36 do CTN. A questão proposta é interessante e já foi objeto de questionamento pelo doutrinador Hugo de Brito Machado, na obra Comentários ao Código Tributário Nacional: 'A extinção de uma pessoa jurídica pode decorrer de sua incorporação a outra, (...) ou de sua fusão e de sua cisão com versão total de seu patrimônio, ou ainda do desfazimento do pacto societário e o consequente encerramento da liquidação. (...) Ressalte-se que no caso de extinção pode haver questionamento a respeito da incidência do imposto quando os bens imóveis
ou direitos a eles relativos forem destinados a pessoas diversas daquelas que os houverem incorporado ao patrimônio da pessoa jurídica. Realmente, o parágrafo único do art. 36 estabelece que o imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I daquele artigo, isto é, mediante incorporação ao capital, em decorrência da desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos. Pode parecer, então, que, se os bens são incorporados ao capital da pessoa jurídica por “A”, e na extinção desta eles são atribuídos a “B”, a transmissão desses bens em decorrência dessa operação de extinção estaria fora de hipótese de não-incidência, vale dizer, haveria incidência do imposto. Esta, porém, não parece ser a interpretação correta. A vigente Constituição Federal diz que o imposto não incide sobre atransmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica. O fato de serem os bens, na extinção da pessoa jurídica, transferidos aos mesmos alienantes, vale dizer, às mesmas pessoas que os incorporaram ao capital da pessoa jurídica, não está na hipótese de incidência da norma de imunidade em questão. Em outras palavras, na hipótese de extinção da pessoa jurídica é irrelevante quem seja o destinatário dos bens transferidos. Por outro lado, não nos parece que exista incompatibilidade entre a norma imunizante albergada pela vigente Constituição Federal e a norma do art. 36, parágrafo único, do CTN. Esta última na verdade não se aplica aos casos de extinção, que estão sob a incidência da primeira. Aplica-se, por
ém, aos casos de simples redução do capital social, com desincorporação dos bens imóveis ou diretos a eles relativos do patrimônio de pessoas jurídicas. Não se tratando de extinção, tais hipóteses não estão ao amparo da norma de imunidade, mas estarão ao amparo da norma do art. 36, parágrafo único, do CTN, que se encontra recepcionada em face do art. 146, inciso III, alínea 'a', da vigente Constituição Federal, como norma de lei complementar delimitadora explicitante do âmbito constitucional desse imposto. Realmente, havendo o imóvel sido transferido à pessoa jurídica como forma de integralização de capital, a desincorporação, com seu retorno à mesma pessoa que o havia transferido para a pessoa jurídica, não configura transmissão de propriedade, mas simples desfazimento da operação anterior que, por sua vez, não ensejara a incidência do imposto. Se a incorporação do imóvel
ao capital da sociedade não foi considerada fato gerador do imposto, o desfazimento dessa operação, vale dizer, a desincorporação do imóvel que retorna a seu anterior proprietário, também não há de ser fato gerador do imposto.' Dito isso, tem-se, no caso em apreço, hipótese de imunidade tributária, uma vez que a transferência dos bens imóveis ao impetrante se deu em virtude de extinção da sociedade empresária da qual figurava como sócio, a título de devolução de capital, de acordo com as determinações contidas no inciso I do § 2º do art. 156 da Carta Magna. Ante o exposto, nego provimento ao apelo, confirmando, no mais, a sentença em reexame necessário. É o voto." Com efeito, segundo se observa dos fundamentos que serviram para a Corte de origem apreciar a controvérsia, o tema foi dirimido no âmbito constitucional, de modo a afastar a competência desta Corte
Superior de Justiça para o deslinde do desiderato contido no recurso especial. Aliás, essa circunstância fica evidente consoante se observa da simples leitura da ementa do julgado recorrido. Verifica-se ainda que a própria recorrente alega em suas razões recursais a necessidade de "abordar a previsão constitucional da imunidade do ITBI e sua interpretação" para depois asseverar (e-STJ fl. 196): "O art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal, onde se inscrevem as hipóteses imunizantes, enquanto norma de imunidade, deve ser interpretado de acordo com a sua finalidade. Essa a lição da melhor doutrina, a exemplo de REGINA HELENA COSTA. E a norma constitucional supracitada visou a facilitar a formação, a extinção e a incorporação de sociedades empresárias, e não de pessoas físicas, como forma desviada de aquisição de patrimônio sem a incidência de imposto. Com efeito, a Carta Magna objetivou, com a imunidade do ITBI, o progresso das empresas e, em conseqüência, o crescimento econômico nacional. Buscou-se criar um instrumento voltado ao incremento da produção nacional de bens e serviços, por via da instituição de imunidades às pessoas jurídicas adquirentes de bens em situações especiais. Dito de outra maneira: a Constituição Federal, ao criar a imunidade tributária do ITBI, a que se refere o art. 156, § 2º, I, teve como objetivo incentivar a missão social das empresas." Assim, inviável o exame do pleito da recorrente, porquanto o instrumento utilizado não comporta esta análise. A competência do Superior Tribunal de Justiça refere-se a matéria infraconstitucional. A discussão sobre preceitos da Carta Maior cabe à Suprema Corte, ex vi do art. 102 da Constitu
ição Federal. Ademais, eventual violação de lei federal seria reflexa, e não direta, porque no deslinde da controvérsia seria imprescindível a interpretação de matéria constitucional, descabendo, portanto, o exame da questão em sede de recurso especial. Neste sentido: "PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO INTEMPESTIVAMENTE - ACÓRDÃO DECIDIDO SOB FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL - INADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. 1. É de ser considerado intempestivo recurso interposto fora do prazo estabelecido na lei processual civil. 2. Decidida a controvérsia com fundamento exclusivamente constitucional, não pode o STJ rever a questão, sob pena de usurpação da competência do STF. 3. Recursos especiais não conhecidos." (REsp 1.079.424/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 15.10.2009, DJe 23.10.2009.) Ante o exposto, com fundamento no art. 544, § 4º, inciso II
, alínea "b", do CPC, conheço do agravo para negar seguimento ao recurso especial. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 25 de novembro de 2011. MINISTRO HUMBERTO MARTINS Relator
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