ITBI X ITCMD NA DISSOLUÇÃO DE CONDOMÍNIO E NA DIVISÃO DE BENS “CAUSA MORTIS” OU NO DIVÓRCIO
Lamentavelmente, o ITBI é um imposto muito pouco explorado pelos Municípios brasileiros, que, obviamente, deixam de arrecadar uma boa quantia a este título. Os tributaristas, da mesma forma, têm trabalhado muito pouco com o ITBI, reduzindo o número de textos doutrinários e, até mesmo, de discussões judiciais afetos a esse imposto municipal.
Outro fator que contribui para a perda de arrecadação municipal com o ITBI é o conflito de competência tributária havida com os Estados-membros, no tocante ao ITCMD. Há algumas hipóteses, até mesmo corriqueiras, que levam o contribuinte a pagar o imposto estadual, quando o correto seria o ITBI.
Basicamente, levanto três hipóteses em que aparece o conflito entre ITBI e ITCM, sendo que, “na prática” (no momento de “optar” entre os dois impostos), o contribuinte acaba recolhendo o ITCMD (ou nenhum deles!). Eis as hipóteses mais comuns:
Dissolução de condomínio: ocorre quando duas ou mais pessoas são proprietárias de dois ou mais imóveis, e decidem reparti-los, ficando cada um dono de um ou mais imóveis isoladamente, ou seja, trocam suas partes (frações) de um imóvel pela totalidade de um outro. Exemplo: “A” e “B” são coproprietário dos imóveis 1 e 2, cada um com 50%. Resolvem, então, dissolver esse condomínio, ficando cada um com a totalidade do outro imóvel: “A” fica o imóvel 1; “B” fica com o imóvel 2;
Partilha de bens em inventário ou arrolamento: dá-se quando o patrimônio do de cujus será partilhado entre os herdeiros. Na hipótese do patrimônio ser constituído por imóveis e outros bens (veículos, dinheiro, ações etc.), os herdeiros podem combinar em permutar esses bens, de tal forma que cada um fique com a totalidade de alguns bens, evitando-se o condomínio. Exemplo: os irmãos “A” e “B” vão partilhar bens deixados pelo pai, que corresponde a três imóveis e dois veículos. Eles combinam que “A” ficará com os imóveis 1 e 2, e “B” ficará com restante;
Partilha de bens no divórcio: tal como na hipótese anterior, alguns bens imóveis deverão ser divididos entre os ex-cônjuges. Ex.: o casal possui dois imóveis a serem divididos. O marido fica com o imóvel 1, e a esposa com o imóvel 2.
Nessas hipóteses, é comum os Estados entenderem que há doações sobre a parte que exceder à legalmente devida, alegando ausência de onerosidade. Outro argumento dos fiscos estaduais, bastante tentador, porém equivocado, é considerar a existência, ou não, de gratuidade (doação) ou onerosidade (permuta), segundo o patrimônio total, e não cada imóvel isoladamente.
Aliás, aqui está, na verdade, a grande questão a ser enfrentada nessas hipóteses: deve se partir do patrimônio total envolvido, ou cada imóvel deve ser considerado individualmente, para fins de incidência do ITBI ou do ITCMD.
O Superior Tribunal de Justiça, tal como eu e Francisco Ramos Mangieri defendemos em nossa obra “ITBI”, editora Edipro, entende que “cada imóvel” deve ser considerado isoladamente, ou seja, nas três hipóteses acima apresentadas, haveria a incidência do ITBI sobre as permutas ocorridas: troca de parte de um imóvel pela parte do outro.
Interessante que o STJ chegou a esse entendimento partindo da idéia de que o ITBI é um imposto “real”, como se depreende do acórdão abaixo da 2ª Turma:
Processo
REsp 722752 / RJ RECURSO ESPECIAL
2005/0019335-9
Relator(a)
Ministro HERMAN BENJAMIN (1132)
Órgão Julgador
T2 - SEGUNDA TURMA
Data do Julgamento
05/03/2009
Data da Publicação/Fonte
DJe 11/11/2009
Ementa
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OMISSÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. ITBI. IMÓVEIS URBANOS EDIFICADOS. DISSOLUÇÃO DE CONDOMÍNIO. INCIDÊNCIA DO TRIBUTO. BASE DE CÁLCULO. PARCELA ADQUIRIDA AOS OUTROS CO-PROPRIETÁRIOS.
1. Hipótese em que os quatro impetrantes (ora recorridos) eram co-proprietários de seis imóveis urbanos edificados. Os condôminos resolveram extinguir parcialmente a co-propriedade. Para isso, cada impetrante passou a ser único titular de um dos seis imóveis. Quanto aos dois bens restantes, manteve-se o condomínio. Discute-se a tributação municipal sobre essa operação.
2. O Tribunal de origem entendeu ter ocorrido simples dissolução de condomínio relativo a uma universalidade de bens, conforme o art. 631 do CC/1916. Assim, não teria havido transmissão de propriedade com relação à maior parte da operação. Se o indivíduo passou a ser proprietário de imóvel em valor idêntico à sua cota ideal no condomínio, não incidiria o ITBI.
3. Inexiste omissão no acórdão recorrido, que julgou a lide e fundamentou adequadamente seu acórdão.
4. No entanto, o art. 631 não incide na hipótese, pois se refere ao caso clássico de condomínio de bem divisível. Seria aplicável se os quatro impetrantes fossem co-proprietários de terreno rural ou de terreno urbano não-edificado. Nesse exemplo, no caso de desfazimento do condomínio, o imóvel poderia ser fracionado junto ao cartório de imóveis, observados os limites mínimos, requisitos e formalidades legais, resultando em quatro partes iguais. Cada um dos antigos co-proprietários seria o único titular de seu terreno (correspondente a 25% do original). Inexistiria transmissão onerosa de propriedade nessa situação fictícia e, portanto, incidência do tributo municipal.
5. Diferentemente, quando há condomínio de apartamento edilício, ou de um prédio urbano não-fracionado em unidades autônomas, é impossível a divisão do bem. É este o caso dos autos.
6. O registro imobiliário é individualizado, como o é a propriedade de apartamentos, nos termos da Lei de Registros Públicos (art. 176, § 1º, I, da Lei 6.015/1973).
7. Na situação inicial, antes do pacto de extinção parcial do condomínio, os quatro impetrantes eram co-proprietários de cada um dos imóveis, que devem ser considerados individualmente.
8. Com o acordo, cada um dos impetrantes passou a ser único proprietário de um dos seis imóveis. Ou seja, adquiriu dos outros co-proprietários 75% desse bem, pois já possuia 25%.
9. O ITBI deve incidir sobre a transmissão desses 75%. Isso porque a aquisição dessa parcela se deu por alienação onerosa: compra (pagamento em dinheiro) ou permuta (cessão de parcela de outros imóveis).
10. Esse raciocínio se aplica aos quatro imóveis que passaram a ser titulados por um único proprietário. Quanto aos outros dois bens, com relação aos quais o condomínio subsistiu, não há alienação onerosa nem, portanto, incidência do ITBI.
11. Os impetrantes adjudicaram cada um dos quatro imóveis a uma única pessoa, indenizando os demais (por pagamento ou permuta), nos termos do art. 632 do CC/1916.
12. É pacífico que os impostos reais (IPTU e ITBI, em especial) referem-se aos bens autonomamente considerados. Também por essa razão seria incabível tratar diversos imóveis como universalidade para fins de tributação.
13. Esse entendimento foi consolidado pelo egrégio STF na Súmula 589: "É inconstitucional a fixação de adicional progressivo do imposto predial e territorial urbano em função do número de imóveis do contribuinte".
14. A Suprema Corte impediu que os Municípios considerassem todos os imóveis de cada contribuinte como uma universalidade para fins de progressividade das alíquotas . Isso decorre do reconhecimento de que cada imóvel a ser tributado deve ser autonomamente considerado.
15. Se o Município não pode considerar o conjunto de imóveis uma universalidade, para cálculo do IPTU, seria inadmissível que o contribuinte possa fazê-lo com o intuito de pagar menos ITBI.
16. Recurso Especial provido.
Enfim, eis uma importante fonte de renda municipal, que deve levar a Administração Tributária, notadamente a Procuradoria Jurídica, a fiscalizar os processos judiciais de partilha de bens, bem como os atos praticados extrajudicialmente, nos cartórios de imóveis. Aliás, vale lembrar que os tabeliães e registradores costumam ser responsáveis tributários do ITBI relativamente aos atos praticados perante eles.
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