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STJ AFASTA COBRANÇA DO ISS SOBRE (VERDADEIRAS) COOPERATIVAS MÉDICAS

20 Fev 2011 0 comment
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  Omar Augusto Leite Melo
No RESP 1.213.479, a Segunda Turma do STJ afastou a cobrança do ISS sobre cooperativas médica.
No início do voto, ou, ainda, na própria ementa do acórdão, dá uma falsa impressão de que essa não-incidência alcançaria também as Unimed.
No entanto, não é isso não! O próprio ministro relator acaba afastando isso no final do acórdão.
Enfim, esse acórdão separa bem as cooperativas médicas das cooperativas de planos de saúde (caso da Unimed), dando ganho de causa apenas paras aquelas primeiras não pagarem o ISS.
Outro ponto do julgado é o reforço em torno da validade do ISS-fixo.
Vale a pena conferir o inteiro teor desse julgado.


RECURSO ESPECIAL Nº 1.213.479 - AL (2010⁄0170129-1)
RELATOR     :     MINISTRO CASTRO MEIRA
RECORRENTE     :     MUNICÍPIO DE MACEIÓ
ADVOGADO     :     TIAGO RODRIGUES LEÃO DE C. GAMA E OUTRO(S)
RECORRIDO     :     COOPERATIVA DOS ANESTESIOLOGISTAS DO ESTADO DE ALAGOAS LTDA
ADVOGADO     :     PAULO NICHOLAS DE FREITAS NUNES E OUTRO(S)
EMENTA
TRIBUTÁRIO. ISS. SOCIEDADE COOPERATIVA. ISENÇÃO. ATO COOPERATIVO CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO COM TERCEIROS. ARTIGO 79 DA LEI Nº 5.764⁄71.
1. A Corte de origem considerou que os serviços médicos são prestados diretamente pelos médicos e não pela cooperativa, que apenas repassa aos associados os recursos pagos pelos planos⁄seguros⁄convênios de saúde. Nesse contexto, deve-se admitir tão somente a incidência do ISS sobre os serviços prestados pelos associados (valor fixo), consoante disposto no art. 9º, parágrafo único, do DL 406⁄68.
2. Não é possível a tributação pelo ISS sobre a atividade prestada pela cooperativa - recebimento dos valores pagos pela prestação dos serviços, posteriormente repassados aos cooperados com as deduções das despesas operacionais - quer pela absoluta ausência de tipicidade (aspecto material), já que não há, nem nunca houve, previsão de incidência do imposto sobre essa atividade em quaisquer das listas anexas até hoje elaboradas (DL 406⁄68, LC 56⁄87 ou LC 116⁄03); quer pela gratuidade do serviço (aspecto dimensível), que obsta a quantificação do imposto por ausência do elemento "preço".
3. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins (Presidente), Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Cesar Asfor Rocha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 09 de novembro de 2010(data do julgamento).
Ministro Castro Meira
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 1.213.479 - AL (2010⁄0170129-1)
RELATOR     :     MINISTRO CASTRO MEIRA
RECORRENTE     :     MUNICÍPIO DE MACEIÓ
ADVOGADO     :     TIAGO RODRIGUES LEÃO DE C. GAMA E OUTRO(S)
RECORRIDO     :     COOPERATIVA DOS ANESTESIOLOGISTAS DO ESTADO DE ALAGOAS LTDA
ADVOGADO     :     PAULO NICHOLAS DE FREITAS NUNES E OUTRO(S)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Cuida-se de recurso especial fundado na alínea "a" do permissivo constitucional e interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, assim ementado:
TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. COOPERATIVA. ATO DE INTERMEDIAÇÃO COM PLANOS⁄SEGUROS⁄CONVÊNIOS DE SAÚDE PARA A PERCEPÇÃO DOS VALORES COBRADOS POR SERVIÇOS PRESTADOS POR SEUS MÉDICOS-COOPERADOS AOS CLIENTES DAQUELES E, AO CABO, A ESTES REPASSADOS SEM AUFERIÇÃO DE LUCROS. ATO TIPICAMENTE COOPERATIVO. NÃO INCIDÊNCIA DO ISSQN. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDAS E DESPROVIDAS. DECISÕES UNÂNIMES (e-STJ fl. 318).
O recorrente aponta violação do art. 79 da Lei nº 5.764⁄71, ao defender a incidência do ISSQN sobre as receitas originárias de atos não cooperativos. Argumenta que a cooperativa "realiza um ato empresarial de prestação de serviços remunerados, pois a mesma oferta serviços a terceiros não associados" (e-STJ fl. 331). Afirma tratar-se de contrato firmado com terceira pessoa, totalmente estranha à relação cooperativa, revestido de cunho negocial.
Não foram ofertadas contrarrazões, consoante certidão de e-STJ fl. 339.
Admitido o recurso na origem (e-STJ fls. 352-354), subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.213.479 - AL (2010⁄0170129-1)
EMENTA
TRIBUTÁRIO. ISS. SOCIEDADE COOPERATIVA. ISENÇÃO. ATO COOPERATIVO CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO COM TERCEIROS. ARTIGO 79 DA LEI Nº 5.764⁄71.
1. A Corte de origem considerou que os serviços médicos são prestados diretamente pelos médicos e não pela cooperativa, que apenas repassa aos associados os recursos pagos pelos planos⁄seguros⁄convênios de saúde. Nesse contexto, deve-se admitir tão somente a incidência do ISS sobre os serviços prestados pelos associados (valor fixo), consoante disposto no art. 9º, parágrafo único, do DL 406⁄68.
2. Não é possível a tributação pelo ISS sobre a atividade prestada pela cooperativa - recebimento dos valores pagos pela prestação dos serviços, posteriormente repassados aos cooperados com as deduções das despesas operacionais - quer pela absoluta ausência de tipicidade (aspecto material), já que não há, nem nunca houve, previsão de incidência do imposto sobre essa atividade em quaisquer das listas anexas até hoje elaboradas (DL 406⁄68, LC 56⁄87 ou LC 116⁄03); quer pela gratuidade do serviço (aspecto dimensível), que obsta a quantificação do imposto por ausência do elemento "preço".
3. Recurso especial não provido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): O recorrente aponta violação do art. 79 da Lei nº 5.764⁄71, ao defender a incidência do ISSQN sobre as receitas originárias de atos não cooperativos. Argumenta que a cooperativa "realiza um ato empresarial de prestação de serviços remunerados, pois a mesma oferta serviços a terceiros não associados" (e-STJ fl. 331). Afirma tratar-se de contrato firmado com terceira pessoa, totalmente estranha à relação cooperativa, revestido de cunho negocial.
É cediço que apenas o ato cooperativo pode ser considerado fora da incidência tributária. Nos termos do artigo 79 da Lei 5.764⁄71, ato cooperativo é aquele que realizado entre a sociedade e seus cooperados:
Art. 79. Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetivos sociais.
Acerca da incidência do ISS sobre as cooperativas médicas, proferi voto nos autos do REsp 819.242, o qual examina detalhadamente a questão, verbis:
O sistema cooperativista subsume-se a um dos seguintes modelos: (a) cooperativas de compra em comum, em que pessoas se organizam para adquirir produtos e serviços; (b) cooperativas de venda em comum, onde as pessoas se unem para comercializar produtos e serviços; e (c) cooperativas de crédito.
As cooperativas médicas enquadram-se na categoria das cooperativas de venda em comum, pois os cooperados se organizam para, afastando os agentes intermediários, garantir melhor colocação no mercado, facilitando a contratação de clientes e, conseqüentemente, a prestação do serviço médico.
Este julgamento põe em confronto interesses inconciliáveis: de um lado, a posição do fisco municipal de que qualquer prestação de serviços a terceiros não-cooperados constitui atividade mercantil tributável pelo ISS. Pelo lado das cooperativas, defende-se que a prestação dos serviços é parte integrante da atividade cooperativa e não deve ser tributada por esse imposto.
A atividade cooperativa encerra duas relações jurídicas distintas e de efeitos inconfundíveis: na primeira, que chamaremos de relação interna, a cooperativa busca melhores condições para que os cooperados exerçam a sua profissão, angariando clientes, fechando contratos e dando todo o suporte administrativo necessário ao desempenho da atividade; na segunda, que denominaremos de relação externa, os cooperados prestam serviços aos clientes e usuários.
A relação interna dá-se, portanto, entre cooperativa e cooperado; já a relação externa perfaz-se entre cooperado e cliente.
Na primeira relação, há típico ato cooperativo, pois a cooperativa "presta serviços" diretamente a seus associados, de forma gratuita e sem fins lucrativos, que abrangem: (a) a aproximação entre cooperados e possíveis tomadores do serviço (clientes e usuários do serviço médico); (b) o aprimoramento profissional dos associados, por meio de cursos de qualificação e seminários; (c) a assistência material, moral e técnica; (d) o gerenciamento de materiais e instalações; (e) o recebimento dos valores pagos pela prestação dos serviços, posteriormente repassados aos cooperados com as deduções das despesas operacionais (taxa administrativa), dentre outros.
As cooperativas responsabilizam-se pela captação de oportunidades de trabalho para os cooperados, através de contratos que firmam com hospitais, associações de classe ou empresas. É objetivo da cooperativa, portanto, criar e otimizar as condições para que os associados exerçam a sua profissão, nada recebendo para o exercício desse objetivo, agindo como mera mandatária dos médicos que livremente resolvem se aglutinar à sociedade.
Esse serviço de captação de clientela é irrelevante do ponto de vista tributário, pois não tem finalidade mercantil, mas visa apenas o cumprimento dos objetivos estatutários que presidiram a criação da entidade. Tratando-se de ato nitidamente cooperativo, não configura operação de mercado, nos termos do art. 79, parágrafo único, da Lei 5.764⁄71.
Quanto ao ISS, a não-incidência tributária é ainda mais evidente, quer pela absoluta ausência de tipicidade (aspecto material), já que não há, nem nunca houve, previsão de incidência do imposto sobre essa atividade em quaisquer das listas anexas até hoje elaboradas (DL 406⁄68, LC 56⁄87 ou LC 116⁄03); quer pela gratuidade do serviço (aspecto dimensível), que obsta a quantificação do imposto por ausência do elemento "preço".
Nesse sentido, vale a pena conferir as lições da professora Betina Treiger Grupenmacher, uma das maiores especialistas do país sobre o ISS:
"São, portanto, duas as razões que impedem as administrações fazendárias municipais de cobrar ISS em relação ao ato cooperativo praticado pelas cooperativas de trabalho. A uma, não se opera, relativamente ao mesmo, o fenômeno da incidência, pois a natureza jurídica do mencionado ato que é 'representar o cooperado' não se subsume à hipótese de incidência do ISS, ficando obstada a incidência da respectiva regra de tributação. A duas, ainda que se vislumbre alguma forma de prestação de serviços na atividade desenvolvida pelas cooperativas de trabalho em relação aos seus cooperados, essa atividade é gratuita, posto que despida de base de cálculo e também por esta razão não se dará a incidência da regra de tributação" ("ISS sobre Cooperativas de Trabalho" in "Problemas Atuais do Direito Cooperativo", coord. Renato Lopes Becho, São Paulo: Dialética, a. 2002, pp. 42-43).
Já a segunda relação, que se estabelece entre cooperados e clientes ou usuários, é típica atividade negocial de prestação de serviços, não obstante tenha sido intermediada pela cooperativa.
Essa relação externa à cooperativa configura ato negocial, sujeitando o prestador do serviço (pessoa física) à incidência do ISS. Nesses termos, os serviços médicos prestados pelos cooperados são tributados, não sobre o faturamento ou receita, mas sobre valor fixo, já que os associados da cooperativa, ao desempenharem suas profissões, não perdem a condição de profissionais liberais, devendo incidir a regra do art. 9º, parágrafo único, do DL 406⁄68, de seguinte teor:
"Art 9º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho".
Esse dispositivo não foi revogado com a edição da LC 116⁄03, como comprovam os seguintes julgados de ambas as Turmas de Direito Público:
"TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. ISS. REVOGAÇÃO. ART. 9º, §§ 1º E 3º, DO DECRETO-LEI N. 406⁄68. REVOGAÇÃO. ART. 10 DA LEI N. 116⁄2003. NÃO-OCORRÊNCIA.
1. O art. 9º, §§ 1º e  3º, do Decreto-Lei n. 406⁄68, que dispõe acerca da incidência de ISS sobre as sociedades civis uniprofissionais, não foi revogado pelo art. 10 da Lei n. 116⁄2003.
2. Recurso especial improvido" (REsp 713.752⁄PB, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJ de 18.08.06);
"TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL. ISS FIXO.
1. Inexistência de incompatibilidade entre os §§ 1º e 3º do artigo 9º do Decreto-Lei n. 406⁄68 e o art. 7º da LC n. 116⁄03.
2. Sistemática de ISS fixo para as sociedades uniprofissionais que não foi modificada.
3. A LC 116, de 2003, não cuidou de regrar a tributação do ISS para as sociedades uniprofissionais. Não revogou o art. 9º do DL 406⁄68.
4. Precedentes: REsp 649.094⁄RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 07⁄03⁄2005; REsp 724.684⁄RJ, Rel. Min. Castro Meira, DJ 01⁄07⁄2005; entre outros.
5. Recurso especial provido" (REsp 1.016.688⁄RS, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, DJe de 05.06.08).
O professor Kiyoshi Harada, ao examinar a incidência do ISS sobre as cooperativas de serviços médicos, firmou a posição de que apenas os serviços médicos prestados pelos cooperados podem ser tributados pelo ISS, que deve ser pago de forma fixa na condição de profissionais liberais autônomos, verbis:
"O serviço prestado pela cooperativa consiste na captação de trabalho para os cooperados, através de convênios (contratos) que firma com as redes hospitalares, associações de classe ou empresas. Esse serviço de captação de clientela, do ponto de vista estritamente tributário, é irrelevante, pois não tem finalidade mercantil, mas visa tão-somente cumprir o objetivo  estatutário de promover a defesa econômico-social dos associados, configurando mero ato cooperativo que, por definição legal, não implica em operação de mercado. E o ISS, como vimos, por ter natureza mercantil, só incide sobre vendas de serviços.
Tributáveis são apenas os serviços médicos prestados pelos cooperados, nos termos e condições dos contratos firmados pela cooperativa com terceiros, mas os associados já são contribuintes como profissionais autônomos, pagando o ISS, individualmente, na forma da legislação própria (tributo fixo).
Não importa que os pagamentos dos preços sejam feitos, pelas entidades conveniadas, diretamente à cooperativa, pois esta os repassa a seus associados, mediante retenção de uma parcela de 5%, a título de despesas administrativas" ("O ISS e as Cooperativas de Serviços Médicos" in Revista dos Tribunais, a. 1, n. 4, julho a setembro de 1993, p. 59).
Os Municípios brasileiros, em sua grande maioria, pretendem tributar o valor pago às cooperativas pela prestação dos serviços médicos, como se esses valores pertencessem à cooperativa ou, mesmo, fosse ela a verdadeira prestadora dos serviços.
Nenhuma coisa nem outra. Os valores pagos à cooperativa não são por ela titularizados, já que são restituídos aos associados, mensal ou anualmente e na proporção dos serviços prestados, após o desconto da taxa de 5% a título de despesas operacionais. Da mesma forma, não são as cooperativas quem prestam os serviços médicos, mas os cooperados, que assumem toda a responsabilidade pelo resultado.
Assim, os serviços médicos prestados pelos associados da cooperativa devem ser tributados sim, mas da forma prevista em lei (tributo fixo), e não sobre o valor dos serviços efetivamente pagos.
A pretensão das fazendas municipais - de tributar o valor dos serviços repassado às cooperativas e por elas não titularizado - não encontra guarida na legislação de regência e, se autorizado judicialmente, traria uma série de problemas a seguir examinados:
(A) existência de dupla tributação (bis in idem) sobre o mesmo fato gerador
Como já mencionado, os associados da cooperativa de serviços médicos já são tributados como profissionais autônomos, nos termos do art. 9º, § 1º, do DL 406⁄68 (tributo fixo). Caso se permita uma nova incidência do ISS sobre os valores pagos à cooperativa, haveria dupla tributação sobre um mesmo fato gerador, já que os pagamentos feitos à cooperativa pertencem aos associados e a eles retornam após a dedução das despesas operacionais.
A existência de bis in idem foi muito bem lembrada por Helder Gonçalves Lima, que asseverou o seguinte:
"Com efeito, a prestação de serviços realizada pela cooperativa aos próprios associados configura, em verdade, operação interna, praticada dentro do âmbito jurídico cooperativo, onde não há elemento estranho à esfera jurídica desta sociedade. Infere-se, portanto, que no cooperado não se materializa a figura do tomador, quer há de ser necessariamente um terceiro, estranho à sociedade. Cooperado não é terceiro em relação à cooperativa, em absoluto.
Outrossim, o fato de a cooperativa prestar serviço a seu próprio associado (ato cooperativo), em operação interna, implica na inexistência de circulação econômica do bem e material (serviço), assim, como de fim lucrativo.
Obtempere-se, ainda, que no caso das cooperativas de trabalho, quem presta serviços em favor de terceiros são os cooperados. estes é que realizam serviços tributáveis, configurando o suporte fático abstrato do ISS, e que por isso recolhem o imposto na qualidade de profissionais autônomos. Tributar a cooperativa, por exemplo, pela prestação de serviços médicos realizada em, favor de terceiros⁄consumidores, importaria em bis in idem inaceitável, assim como em despropósito que o regime jurídico cooperativo repudia, da mesma sorte que o sistema tributári o, ante a não consubstanciação da hipótese de incidência do imposto por parte da cooperativa" ("Problemas Atuais do Direito Cooperativo", coord. Renato Lopes Becho, São Paulo: Dialética, 2002, p. 135).
Paulo César Andrade Siqueira segue na mesma linha, rechaçando a dupla incidência e entendendo que toda a tributação dos serviços prestados pelo cooperado aos tomadores ou usuários deve ser feita na pessoa física e não na pessoa jurídica, verbis:
(...) Toda decorrência da relação usuário do serviço⁄prestador, será devida como tributo da pessoa física, sob pena de bi-tributação de um único fato gerador, seja para o IR, seja para o ISS, seja para qualquer contribuição social, etc (Adequação Tributária dos Atos Cooperativos de Cooperativas de Trabalho in Revista Dialética de Direito Tributário, n. 60, setembro de 2000, p. 98).
A cooperativa de trabalho desempenha suas funções em benefício exclusivo de seus próprios associados, captando clientela e gerindo a estrutura necessária ao bom desempenho das atividades. Não há ai típica prestação de serviços que renda ensejo à incidência do ISS. Somente os serviços médicos prestados pelo próprio cooperado é que se amoldam à lista taxativa do ISS, devendo incidir tributo fixo, nos termos do art. 9º, § 1º, do DL 406⁄68.
Permitir a incidência do ISS sobre os valores que a cooperativa recebe dos usuários do serviço é consagrar a dupla tributação sobre o mesmo fato gerador, pois os recursos vertidos à cooperativa não são por ela titularizados, sendo repassados aos cooperados após o desconto das despesas operacionais.
(B) A existência de violação à regra constitucional que consagra o adequado tratamento tributário do ato cooperativo.
Permitir a incidência do ISS sobre os valores recebidos pela cooperativa viola o disposto no art. 146, III, "c" da CF⁄88, pois a tributação da atividade cooperativa será mais gravosa do que a que recai sobre os profissionais médicos não associados.
Esse dispositivo atribui à lei complementar a tarefa de "estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre (...) o adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas".
É bem verdade que o adequado tratamento tributário ao ato cooperativo não significa, necessariamente, tratamento privilegiado. Todavia, é difícil imaginar que esse "adequado tratamento tributário" pretendido pela Constituição implique situação mais gravosa para aqueles que resolvem se associar em cooperativa.
À toda vidência, interpretação dessa natureza repugna aos mais comezinhos princípios de hermenêutica.
A tese das fazendas municipais - de que os recursos oriundos da prestação de serviços médicos a clientes e usuários devem ser tributados pelo ISS na cooperativa e pelo preço do serviço, a par da incidência do imposto cobrado da pessoa física do cooperado e por valor fixo - cria essa monstruosidade jurídica, a permitir que a tributação do serviço praticado por meio de cooperativa seja mais gravoso do que aquele prestado por profissional autônomo não associado.
Esse entendimento faz ruir toda a lógica da teoria cooperativista concebida pelos Pioneiros de Rochdale, ainda na primeira metade do século XIX, para os quais a cooperativa representava uma alternativa de "sobrevivência" em meio a opressão capitalista trazida pela Revolução Industrial.
O sistema cooperativista pressupõe que a união em cooperativa traga maior facilidade e comodidade aos cooperados, que poderão negociar, contratar e vender em bloco. Repugna à lógica cooperativista, portanto, qualquer interpretação que coloque o cooperativado em situação de desvantagem em relação ao não-cooperativado.
E essa situação de desvantagem extrema faz-se presente caso aceita a tese das fazendas municipais, pois o cooperativado sofrerá dupla incidência do ISS, enquanto os profissionais médicos não-associados à cooperativa sofrerão a incidência do ISS fixo, uma única vez, na condição de profissionais autônomos.
(C) A necessidade de remessa dos valores recebidos pela cooperativa ao Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social - FATES, para cumprimento do disposto no art. 87 da Lei 5.764⁄71.
Por fim, a tese dos fiscos municipais encontra uma impropriedade lógica na lei que rege as cooperativas (Lei n.º 5.764⁄71).
O art. 87 desse diploma legal determina que:
"Os resultados das operações das cooperativas com não associados, mencionados nos arts. 85 e 86, serão levados à conta do 'Fundo de Assistência Técnica, educacional e Social' e serão contabilizados em separado, de molde a permitir cálculo para incidência de tributos".
Se considerarmos que todos os serviços prestados a clientes são atos não-cooperativos, a conseqüência desse raciocínio será a inexistência de retorno econômico aos cooperados, em virtude da obrigatoriedade de destinação dos recursos ao Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social-FATES, como prescrito no art. 87 da Lei 5.764⁄71. Interpretação dessa natureza esvazia a razão de existir da própria cooperativa nos ramos de venda em comum e compra em comum.
O art. 28 da Lei 5.764⁄71 deixa clara a destinação que deve ser dada aos recursos ingressos no FATES, verbis:
"Art. 28. As cooperativas são obrigadas a constituir:
II - Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social, destinado a prestação de assistência aos associados, seus familiares e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa, constituído de 5% (cinco por cento), pelo menos, das sobras líquidas apuradas do exercício".
Assim, a prevalecer a tese fazendária, os recursos oriundos da prestação de serviços médicos a clientes e usuários, tratando-se de atos não-cooperativos, devem ingressar no FATES e servir, apenas, para cobrir despesas da cooperativa com assistência aos associados, seus familiares e empregados, nos termos do estatuto. Em outras palavras, os cooperados nada recebem dos valores repassados à cooperativa pela prestação dos serviços médicos, a não ser que os serviços sejam prestados a outros médicos cooperados.
Essa inconsistência lógica foi detectada pelo mestre Geraldo Ataliba, verbis:
"Nem se diga que as operações instrumentais que importam celebração de contratos pela Cooperativa, em nome dos associados, caracterizam prestação de serviços por envolver terceiros. tal assertiva, por absurda, deve ser afastada.
Seria despropositado; repugnaria mesmo ao mais comezinho senso comum, que a constituição de cooperativa de serviços médicos - ou de outras, quaisquer que fosse o seu objeto - se desse para o fim de os médicos prestarem serviços uns aos outros.
Equivaleria a dizer que - fosse uma cooperativa de motoristas de taxi - a sociedade fora formada a fim de que, em seus veículos, os motoristas transportassem uns aos outros! Dislate dessa monta - até em respeito ao leitor - não merece outras considerações" (apud OLIVEIRA, José Cláudio Ribeiro. O Ato Cooperativo nas Cooperativas de Serviço de Saúde in Ato Cooperativo e seu Adequado Tratamento Tributário, coord. Guilherme Krueger, Belo Horizonte: Melhoramentos, 2004, p. 175).
A preocupação de todo jurista e, sobretudo, do Judiciário, deve ser a de evitar a proliferação de "cooperativas de fachada", que assim se organizam apenas para usufruir os benefícios que a legislação concede a esse tipo de entidade, mas que não preenchem os requisitos mínimos previstos em lei para se constituírem com tal.
Nesse sentido, para se evitar a fraude, somente uma perícia contábil específica permitirá saber quem, efetivamente, recebeu os preços dos serviços médicos, prestados por conta dos convênios firmados, bem como se a "taxa de administração" cobrada pela cooperativa de seus associados se limita à cobertura de despesas administrativa, ou, se representou, em parte, remunerações disfarçadas.
Mas, esse tipo de preocupação é própria das instâncias ordinárias, pois esta Corte não dispõe de liberdade para o exame de fatos e provas, nos termos da Súmula 7⁄STJ.
No caso concreto, o acórdão recorrido firmou as premissas de que a atividade da cooperativa não é lucrativa e de que os valores por ela arrecadados são repassados aos cooperados na proporção dos serviços médicos executados.
Nesse termos, deve ser observada a seguinte passagem do voto condutor, o qual firma a premissa de que a cooperativa não auferia lucros, mas apenas repassava o valor recebido a cada associado:
Da análise do conjunto probatório dos autos, não é possível se extrair que a apelada efetivamente presta serviços a terceiros, mas sim a seus próprios cooperados, pois apenas procede a intermediação (mandatária), na celebração de contratos com terceiros, dentro da especialização médica, objeto da sua constituição jurídica, sem auferir lucros (fl. 263).
Diante dessa premissa, não tenho dúvida de que deve ser mantido o acórdão recorrido.
Faço aqui uma última ressalva para que não se dê à orientação consagrada nesse voto um dimensionamento que ela não possui. A hipótese ora examinada é de típica cooperativa de serviços médicos, e não de entidades que negociam no mercado planos de saúde, como é o caso da Unimed.
O fundamento da cobrança do ISS no caso Unimed é diverso, já que embasado nos itens 4.22, 4.23 e 10.01 da Lista Anexa à Lei Complementar n.º 116⁄03, verbis:
4.22 – Planos de medicina de grupo ou individual e convênios para prestação de assistência médica, hospitalar, odontológica e congêneres.
4.23 – Outros planos de saúde que se cumpram através de serviços de terceiros contratados, credenciados, cooperados ou apenas pagos pelo operador do plano mediante indicação do beneficiário.
10.01 – Agenciamento, corretagem ou intermediação de câmbio, de seguros, de cartões de crédito, de planos de saúde e de planos de previdência privada.
No caso, o Tribunal de origem, ao analisar os fatos e as provas dos autos, descreveu a atividade prestada pela cooperativa da seguinte forma:
Pois bem. Apresentada a exegese da tributação dos atos praticados por cooperativa e debruçando-me sobre o iter da atividade desenvolvida pela Cooperativa⁄Apelada sobre a qual o Município⁄Apelante visa tributar, percebo que se desenvolve do seguinte modo: primeiro os médicos-cooperados prestam serviço aos pacientes de planos⁄seguros⁄convênios de saúde e encaminham relação dos serviços realizados à Cooperativa; depois esta individualiza o valor devido a cada médico-cooperado a partir da relação mencionada e remete aos planos⁄seguros⁄convênios de saúde; estes repassam os valores se gundo a individualização apresentada para a Cooperativa; esta finaliza sua atividade entregando a cada médico-cooperado o que lhe é devido sem a retenção de qualquer parcela.
Ora, é factível que a operação noticiada consiste em ato tipicamente cooperativo, logo não sujeito a incidência do ISSQN. A Cooperativa funciona apenas como intermediária na relação entre os planos⁄seguros⁄convênios de saúde e os médicos-cooperados. Na verdade, não comercializa qualquer serviço ou plano de saúde com terceiros não-cooperados, circunscrevendo sua atividade em informar aos planos⁄seguros⁄convênios de saúdes os valores cobrados por seus cooperados, os quais uma vez adimplidos são entregues em sua totalidade, ou seja, sem percepção de lucro, aos médicos cooperados. Enfim, é ato praticado em favor exclusivo dos seu s cooperados sem a comercialização de qualquer serviço a terceiros que dê ensejo a incidência do ISSQN (e-STJ fl. 322 - sem destaque no original).
Embora não seja possível reexaminar o contexto fático-probatório da demanda no bojo do apelo especial, admite-se que esta Corte realize a valoração jurídica acerca das atividades delineadas na origem.
Dessa feita, considerando-se que os serviços médicos são prestados diretamente pelos médicos e não pela cooperativa, deve-se admitir tão somente a incidência do ISS sobre os serviços prestados pelos associados (valor fixo), consoante disposto no art. 9º, parágrafo único, do DL 406⁄68.
Não é possível, portanto, a tributação pelo ISS sobre a atividade prestada pela cooperativa - recebimento dos valores pagos pela prestação dos serviços, posteriormente repassados aos cooperados com as deduções das despesas operacionais - quer pela absoluta ausência de tipicidade (aspecto material), já que não há, nem nunca houve, previsão de incidência do imposto sobre essa atividade em quaisquer das listas anexas até hoje elaboradas (DL 406⁄68, LC 56⁄87 ou LC 116⁄03); quer pela gratuidade do serviço (aspecto dimensível), que obsta a quantificação do imposto por ausência do elemento "preço".
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA TURMA
Número Registro: 2010⁄0170129-1    
REsp 1.213.479 ⁄ AL
Números Origem:  001070757225  20090000980  20090000980000100
PAUTA: 09⁄11⁄2010     JULGADO: 09⁄11⁄2010

Relator
Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro HUMBERTO MARTINS
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOSÉ FLAUBERT MACHADO ARAÚJO
Secretária
Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE     :     MUNICÍPIO DE MACEIÓ
ADVOGADO     :     TIAGO RODRIGUES LEÃO DE C. GAMA E OUTRO(S)
RECORRIDO     :     COOPERATIVA DOS ANESTESIOLOGISTAS DO ESTADO DE ALAGOAS LTDA
ADVOGADO     :     PAULO NICHOLAS DE FREITAS NUNES E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO TRIBUTÁRIO - Impostos - ISS⁄ Imposto sobre Serviços
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."
Os Srs. Ministros Humberto Martins (Presidente), Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Cesar Asfor Rocha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 09  de novembro  de 2010
VALÉRIA ALVIM DUSI
Secretária

No RESP 1.213.479, a Segunda Turma do STJ afastou a cobrança do ISS sobre cooperativas médica.
No início do voto, ou, ainda, na própria ementa do acórdão, dá uma falsa impressão de que essa não-incidência alcançaria também as Unimed.
No entanto, não é isso não! O próprio ministro relator acaba afastando isso no final do acórdão.
Enfim, esse acórdão separa bem as cooperativas médicas das cooperativas de planos de saúde (caso da Unimed), dando ganho de causa apenas paras aquelas primeiras não pagarem o ISS.
Outro ponto do julgado é o reforço em torno da validade do ISS-fixo.
Vale a pena conferir o inteiro teor desse julgado.


RECURSO ESPECIAL Nº 1.213.479 - AL (2010⁄0170129-1)
RELATOR : MINISTRO CASTRO MEIRA
RECORRENTE : MUNICÍPIO DE MACEIÓ
ADVOGADO : TIAGO RODRIGUES LEÃO DE C. GAMA E OUTRO(S)
RECORRIDO : COOPERATIVA DOS ANESTESIOLOGISTAS DO ESTADO DE ALAGOAS LTDA
ADVOGADO : PAULO NICHOLAS DE FREITAS NUNES E OUTRO(S)
EMENTA
TRIBUTÁRIO. ISS. SOCIEDADE COOPERATIVA. ISENÇÃO. ATO COOPERATIVO CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO COM TERCEIROS. ARTIGO 79 DA LEI Nº 5.764⁄71.
1. A Corte de origem considerou que os serviços médicos são prestados diretamente pelos médicos e não pela cooperativa, que apenas repassa aos associados os recursos pagos pelos planos⁄seguros⁄convênios de saúde. Nesse contexto, deve-se admitir tão somente a incidência do ISS sobre os serviços prestados pelos associados (valor fixo), consoante disposto no art. 9º, parágrafo único, do DL 406⁄68.
2. Não é possível a tributação pelo ISS sobre a atividade prestada pela cooperativa - recebimento dos valores pagos pela prestação dos serviços, posteriormente repassados aos cooperados com as deduções das despesas operacionais - quer pela absoluta ausência de tipicidade (aspecto material), já que não há, nem nunca houve, previsão de incidência do imposto sobre essa atividade em quaisquer das listas anexas até hoje elaboradas (DL 406⁄68, LC 56⁄87 ou LC 116⁄03); quer pela gratuidade do serviço (aspecto dimensível), que obsta a quantificação do imposto por ausência do elemento "preço".
3. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins (Presidente), Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Cesar Asfor Rocha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 09 de novembro de 2010(data do julgamento).
Ministro Castro Meira
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 1.213.479 - AL (2010⁄0170129-1)
RELATOR : MINISTRO CASTRO MEIRA
RECORRENTE : MUNICÍPIO DE MACEIÓ
ADVOGADO : TIAGO RODRIGUES LEÃO DE C. GAMA E OUTRO(S)
RECORRIDO : COOPERATIVA DOS ANESTESIOLOGISTAS DO ESTADO DE ALAGOAS LTDA
ADVOGADO : PAULO NICHOLAS DE FREITAS NUNES E OUTRO(S)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Cuida-se de recurso especial fundado na alínea "a" do permissivo constitucional e interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, assim ementado:
TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. COOPERATIVA. ATO DE INTERMEDIAÇÃO COM PLANOS⁄SEGUROS⁄CONVÊNIOS DE SAÚDE PARA A PERCEPÇÃO DOS VALORES COBRADOS POR SERVIÇOS PRESTADOS POR SEUS MÉDICOS-COOPERADOS AOS CLIENTES DAQUELES E, AO CABO, A ESTES REPASSADOS SEM AUFERIÇÃO DE LUCROS. ATO TIPICAMENTE COOPERATIVO. NÃO INCIDÊNCIA DO ISSQN. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDAS E DESPROVIDAS. DECISÕES UNÂNIMES (e-STJ fl. 318).
O recorrente aponta violação do art. 79 da Lei nº 5.764⁄71, ao defender a incidência do ISSQN sobre as receitas originárias de atos não cooperativos. Argumenta que a cooperativa "realiza um ato empresarial de prestação de serviços remunerados, pois a mesma oferta serviços a terceiros não associados" (e-STJ fl. 331). Afirma tratar-se de contrato firmado com terceira pessoa, totalmente estranha à relação cooperativa, revestido de cunho negocial.
Não foram ofertadas contrarrazões, consoante certidão de e-STJ fl. 339.
Admitido o recurso na origem (e-STJ fls. 352-354), subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.213.479 - AL (2010⁄0170129-1)
EMENTA
TRIBUTÁRIO. ISS. SOCIEDADE COOPERATIVA. ISENÇÃO. ATO COOPERATIVO CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO COM TERCEIROS. ARTIGO 79 DA LEI Nº 5.764⁄71.
1. A Corte de origem considerou que os serviços médicos são prestados diretamente pelos médicos e não pela cooperativa, que apenas repassa aos associados os recursos pagos pelos planos⁄seguros⁄convênios de saúde. Nesse contexto, deve-se admitir tão somente a incidência do ISS sobre os serviços prestados pelos associados (valor fixo), consoante disposto no art. 9º, parágrafo único, do DL 406⁄68.
2. Não é possível a tributação pelo ISS sobre a atividade prestada pela cooperativa - recebimento dos valores pagos pela prestação dos serviços, posteriormente repassados aos cooperados com as deduções das despesas operacionais - quer pela absoluta ausência de tipicidade (aspecto material), já que não há, nem nunca houve, previsão de incidência do imposto sobre essa atividade em quaisquer das listas anexas até hoje elaboradas (DL 406⁄68, LC 56⁄87 ou LC 116⁄03); quer pela gratuidade do serviço (aspecto dimensível), que obsta a quantificação do imposto por ausência do elemento "preço".
3. Recurso especial não provido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): O recorrente aponta violação do art. 79 da Lei nº 5.764⁄71, ao defender a incidência do ISSQN sobre as receitas originárias de atos não cooperativos. Argumenta que a cooperativa "realiza um ato empresarial de prestação de serviços remunerados, pois a mesma oferta serviços a terceiros não associados" (e-STJ fl. 331). Afirma tratar-se de contrato firmado com terceira pessoa, totalmente estranha à relação cooperativa, revestido de cunho negocial.
É cediço que apenas o ato cooperativo pode ser considerado fora da incidência tributária. Nos termos do artigo 79 da Lei 5.764⁄71, ato cooperativo é aquele que realizado entre a sociedade e seus cooperados:
Art. 79. Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetivos sociais.
Acerca da incidência do ISS sobre as cooperativas médicas, proferi voto nos autos do REsp 819.242, o qual examina detalhadamente a questão, verbis:
O sistema cooperativista subsume-se a um dos seguintes modelos: (a) cooperativas de compra em comum, em que pessoas se organizam para adquirir produtos e serviços; (b) cooperativas de venda em comum, onde as pessoas se unem para comercializar produtos e serviços; e (c) cooperativas de crédito.
As cooperativas médicas enquadram-se na categoria das cooperativas de venda em comum, pois os cooperados se organizam para, afastando os agentes intermediários, garantir melhor colocação no mercado, facilitando a contratação de clientes e, conseqüentemente, a prestação do serviço médico.
Este julgamento põe em confronto interesses inconciliáveis: de um lado, a posição do fisco municipal de que qualquer prestação de serviços a terceiros não-cooperados constitui atividade mercantil tributável pelo ISS. Pelo lado das cooperativas, defende-se que a prestação dos serviços é parte integrante da atividade cooperativa e não deve ser tributada por esse imposto.
A atividade cooperativa encerra duas relações jurídicas distintas e de efeitos inconfundíveis: na primeira, que chamaremos de relação interna, a cooperativa busca melhores condições para que os cooperados exerçam a sua profissão, angariando clientes, fechando contratos e dando todo o suporte administrativo necessário ao desempenho da atividade; na segunda, que denominaremos de relação externa, os cooperados prestam serviços aos clientes e usuários.
A relação interna dá-se, portanto, entre cooperativa e cooperado; já a relação externa perfaz-se entre cooperado e cliente.
Na primeira relação, há típico ato cooperativo, pois a cooperativa "presta serviços" diretamente a seus associados, de forma gratuita e sem fins lucrativos, que abrangem: (a) a aproximação entre cooperados e possíveis tomadores do serviço (clientes e usuários do serviço médico); (b) o aprimoramento profissional dos associados, por meio de cursos de qualificação e seminários; (c) a assistência material, moral e técnica; (d) o gerenciamento de materiais e instalações; (e) o recebimento dos valores pagos pela prestação dos serviços, posteriormente repassados aos cooperados com as deduções das despesas operacionais (taxa administrativa), dentre outros.
As cooperativas responsabilizam-se pela captação de oportunidades de trabalho para os cooperados, através de contratos que firmam com hospitais, associações de classe ou empresas. É objetivo da cooperativa, portanto, criar e otimizar as condições para que os associados exerçam a sua profissão, nada recebendo para o exercício desse objetivo, agindo como mera mandatária dos médicos que livremente resolvem se aglutinar à sociedade.
Esse serviço de captação de clientela é irrelevante do ponto de vista tributário, pois não tem finalidade mercantil, mas visa apenas o cumprimento dos objetivos estatutários que presidiram a criação da entidade. Tratando-se de ato nitidamente cooperativo, não configura operação de mercado, nos termos do art. 79, parágrafo único, da Lei 5.764⁄71.
Quanto ao ISS, a não-incidência tributária é ainda mais evidente, quer pela absoluta ausência de tipicidade (aspecto material), já que não há, nem nunca houve, previsão de incidência do imposto sobre essa atividade em quaisquer das listas anexas até hoje elaboradas (DL 406⁄68, LC 56⁄87 ou LC 116⁄03); quer pela gratuidade do serviço (aspecto dimensível), que obsta a quantificação do imposto por ausência do elemento "preço".
Nesse sentido, vale a pena conferir as lições da professora Betina Treiger Grupenmacher, uma das maiores especialistas do país sobre o ISS:
"São, portanto, duas as razões que impedem as administrações fazendárias municipais de cobrar ISS em relação ao ato cooperativo praticado pelas cooperativas de trabalho. A uma, não se opera, relativamente ao mesmo, o fenômeno da incidência, pois a natureza jurídica do mencionado ato que é 'representar o cooperado' não se subsume à hipótese de incidência do ISS, ficando obstada a incidência da respectiva regra de tributação. A duas, ainda que se vislumbre alguma forma de prestação de serviços na atividade desenvolvida pelas cooperativas de trabalho em relação aos seus cooperados, essa atividade é gratuita, posto que despida de base de cálculo e também por esta razão não se dará a incidência da regra de tributação" ("ISS sobre Cooperativas de Trabalho" in "Problemas Atuais do Direito Cooperativo", coord. Renato Lopes Becho, São Paulo: Dialética, a. 2002, pp. 42-43).
Já a segunda relação, que se estabelece entre cooperados e clientes ou usuários, é típica atividade negocial de prestação de serviços, não obstante tenha sido intermediada pela cooperativa.
Essa relação externa à cooperativa configura ato negocial, sujeitando o prestador do serviço (pessoa física) à incidência do ISS. Nesses termos, os serviços médicos prestados pelos cooperados são tributados, não sobre o faturamento ou receita, mas sobre valor fixo, já que os associados da cooperativa, ao desempenharem suas profissões, não perdem a condição de profissionais liberais, devendo incidir a regra do art. 9º, parágrafo único, do DL 406⁄68, de seguinte teor:
"Art 9º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho".
Esse dispositivo não foi revogado com a edição da LC 116⁄03, como comprovam os seguintes julgados de ambas as Turmas de Direito Público:
"TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. ISS. REVOGAÇÃO. ART. 9º, §§ 1º E 3º, DO DECRETO-LEI N. 406⁄68. REVOGAÇÃO. ART. 10 DA LEI N. 116⁄2003. NÃO-OCORRÊNCIA.
1. O art. 9º, §§ 1º e  3º, do Decreto-Lei n. 406⁄68, que dispõe acerca da incidência de ISS sobre as sociedades civis uniprofissionais, não foi revogado pelo art. 10 da Lei n. 116⁄2003.
2. Recurso especial improvido" (REsp 713.752⁄PB, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJ de 18.08.06);
"TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL. ISS FIXO.
1. Inexistência de incompatibilidade entre os §§ 1º e 3º do artigo 9º do Decreto-Lei n. 406⁄68 e o art. 7º da LC n. 116⁄03.
2. Sistemática de ISS fixo para as sociedades uniprofissionais que não foi modificada.
3. A LC 116, de 2003, não cuidou de regrar a tributação do ISS para as sociedades uniprofissionais. Não revogou o art. 9º do DL 406⁄68.
4. Precedentes: REsp 649.094⁄RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 07⁄03⁄2005; REsp 724.684⁄RJ, Rel. Min. Castro Meira, DJ 01⁄07⁄2005; entre outros.
5. Recurso especial provido" (REsp 1.016.688⁄RS, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, DJe de 05.06.08).
O professor Kiyoshi Harada, ao examinar a incidência do ISS sobre as cooperativas de serviços médicos, firmou a posição de que apenas os serviços médicos prestados pelos cooperados podem ser tributados pelo ISS, que deve ser pago de forma fixa na condição de profissionais liberais autônomos, verbis:
"O serviço prestado pela cooperativa consiste na captação de trabalho para os cooperados, através de convênios (contratos) que firma com as redes hospitalares, associações de classe ou empresas. Esse serviço de captação de clientela, do ponto de vista estritamente tributário, é irrelevante, pois não tem finalidade mercantil, mas visa tão-somente cumprir o objetivo  estatutário de promover a defesa econômico-social dos associados, configurando mero ato cooperativo que, por definição legal, não implica em operação de mercado. E o ISS, como vimos, por ter natureza mercantil, só incide sobre vendas de serviços.
Tributáveis são apenas os serviços médicos prestados pelos cooperados, nos termos e condições dos contratos firmados pela cooperativa com terceiros, mas os associados já são contribuintes como profissionais autônomos, pagando o ISS, individualmente, na forma da legislação própria (tributo fixo).
Não importa que os pagamentos dos preços sejam feitos, pelas entidades conveniadas, diretamente à cooperativa, pois esta os repassa a seus associados, mediante retenção de uma parcela de 5%, a título de despesas administrativas" ("O ISS e as Cooperativas de Serviços Médicos" in Revista dos Tribunais, a. 1, n. 4, julho a setembro de 1993, p. 59).
Os Municípios brasileiros, em sua grande maioria, pretendem tributar o valor pago às cooperativas pela prestação dos serviços médicos, como se esses valores pertencessem à cooperativa ou, mesmo, fosse ela a verdadeira prestadora dos serviços.
Nenhuma coisa nem outra. Os valores pagos à cooperativa não são por ela titularizados, já que são restituídos aos associados, mensal ou anualmente e na proporção dos serviços prestados, após o desconto da taxa de 5% a título de despesas operacionais. Da mesma forma, não são as cooperativas quem prestam os serviços médicos, mas os cooperados, que assumem toda a responsabilidade pelo resultado.
Assim, os serviços médicos prestados pelos associados da cooperativa devem ser tributados sim, mas da forma prevista em lei (tributo fixo), e não sobre o valor dos serviços efetivamente pagos.
A pretensão das fazendas municipais - de tributar o valor dos serviços repassado às cooperativas e por elas não titularizado - não encontra guarida na legislação de regência e, se autorizado judicialmente, traria uma série de problemas a seguir examinados:
(A) existência de dupla tributação (bis in idem) sobre o mesmo fato gerador
Como já mencionado, os associados da cooperativa de serviços médicos já são tributados como profissionais autônomos, nos termos do art. 9º, § 1º, do DL 406⁄68 (tributo fixo). Caso se permita uma nova incidência do ISS sobre os valores pagos à cooperativa, haveria dupla tributação sobre um mesmo fato gerador, já que os pagamentos feitos à cooperativa pertencem aos associados e a eles retornam após a dedução das despesas operacionais.
A existência de bis in idem foi muito bem lembrada por Helder Gonçalves Lima, que asseverou o seguinte:
"Com efeito, a prestação de serviços realizada pela cooperativa aos próprios associados configura, em verdade, operação interna, praticada dentro do âmbito jurídico cooperativo, onde não há elemento estranho à esfera jurídica desta sociedade. Infere-se, portanto, que no cooperado não se materializa a figura do tomador, quer há de ser necessariamente um terceiro, estranho à sociedade. Cooperado não é terceiro em relação à cooperativa, em absoluto.
Outrossim, o fato de a cooperativa prestar serviço a seu próprio associado (ato cooperativo), em operação interna, implica na inexistência de circulação econômica do bem e material (serviço), assim, como de fim lucrativo.
Obtempere-se, ainda, que no caso das cooperativas de trabalho, quem presta serviços em favor de terceiros são os cooperados. estes é que realizam serviços tributáveis, configurando o suporte fático abstrato do ISS, e que por isso recolhem o imposto na qualidade de profissionais autônomos. Tributar a cooperativa, por exemplo, pela prestação de serviços médicos realizada em, favor de terceiros⁄consumidores, importaria em bis in idem inaceitável, assim como em despropósito que o regime jurídico cooperativo repudia, da mesma sorte que o sistema tributári o, ante a não consubstanciação da hipótese de incidência do imposto por parte da cooperativa" ("Problemas Atuais do Direito Cooperativo", coord. Renato Lopes Becho, São Paulo: Dialética, 2002, p. 135).
Paulo César Andrade Siqueira segue na mesma linha, rechaçando a dupla incidência e entendendo que toda a tributação dos serviços prestados pelo cooperado aos tomadores ou usuários deve ser feita na pessoa física e não na pessoa jurídica, verbis:
(...) Toda decorrência da relação usuário do serviço⁄prestador, será devida como tributo da pessoa física, sob pena de bi-tributação de um único fato gerador, seja para o IR, seja para o ISS, seja para qualquer contribuição social, etc (Adequação Tributária dos Atos Cooperativos de Cooperativas de Trabalho in Revista Dialética de Direito Tributário, n. 60, setembro de 2000, p. 98).
A cooperativa de trabalho desempenha suas funções em benefício exclusivo de seus próprios associados, captando clientela e gerindo a estrutura necessária ao bom desempenho das atividades. Não há ai típica prestação de serviços que renda ensejo à incidência do ISS. Somente os serviços médicos prestados pelo próprio cooperado é que se amoldam à lista taxativa do ISS, devendo incidir tributo fixo, nos termos do art. 9º, § 1º, do DL 406⁄68.
Permitir a incidência do ISS sobre os valores que a cooperativa recebe dos usuários do serviço é consagrar a dupla tributação sobre o mesmo fato gerador, pois os recursos vertidos à cooperativa não são por ela titularizados, sendo repassados aos cooperados após o desconto das despesas operacionais.
(B) A existência de violação à regra constitucional que consagra o adequado tratamento tributário do ato cooperativo.
Permitir a incidência do ISS sobre os valores recebidos pela cooperativa viola o disposto no art. 146, III, "c" da CF⁄88, pois a tributação da atividade cooperativa será mais gravosa do que a que recai sobre os profissionais médicos não associados.
Esse dispositivo atribui à lei complementar a tarefa de "estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre (...) o adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas".
É bem verdade que o adequado tratamento tributário ao ato cooperativo não significa, necessariamente, tratamento privilegiado. Todavia, é difícil imaginar que esse "adequado tratamento tributário" pretendido pela Constituição implique situação mais gravosa para aqueles que resolvem se associar em cooperativa.
À toda vidência, interpretação dessa natureza repugna aos mais comezinhos princípios de hermenêutica.
A tese das fazendas municipais - de que os recursos oriundos da prestação de serviços médicos a clientes e usuários devem ser tributados pelo ISS na cooperativa e pelo preço do serviço, a par da incidência do imposto cobrado da pessoa física do cooperado e por valor fixo - cria essa monstruosidade jurídica, a permitir que a tributação do serviço praticado por meio de cooperativa seja mais gravoso do que aquele prestado por profissional autônomo não associado.
Esse entendimento faz ruir toda a lógica da teoria cooperativista concebida pelos Pioneiros de Rochdale, ainda na primeira metade do século XIX, para os quais a cooperativa representava uma alternativa de "sobrevivência" em meio a opressão capitalista trazida pela Revolução Industrial.
O sistema cooperativista pressupõe que a união em cooperativa traga maior facilidade e comodidade aos cooperados, que poderão negociar, contratar e vender em bloco. Repugna à lógica cooperativista, portanto, qualquer interpretação que coloque o cooperativado em situação de desvantagem em relação ao não-cooperativado.
E essa situação de desvantagem extrema faz-se presente caso aceita a tese das fazendas municipais, pois o cooperativado sofrerá dupla incidência do ISS, enquanto os profissionais médicos não-associados à cooperativa sofrerão a incidência do ISS fixo, uma única vez, na condição de profissionais autônomos.
(C) A necessidade de remessa dos valores recebidos pela cooperativa ao Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social - FATES, para cumprimento do disposto no art. 87 da Lei 5.764⁄71.
Por fim, a tese dos fiscos municipais encontra uma impropriedade lógica na lei que rege as cooperativas (Lei n.º 5.764⁄71).
O art. 87 desse diploma legal determina que:
"Os resultados das operações das cooperativas com não associados, mencionados nos arts. 85 e 86, serão levados à conta do 'Fundo de Assistência Técnica, educacional e Social' e serão contabilizados em separado, de molde a permitir cálculo para incidência de tributos".
Se considerarmos que todos os serviços prestados a clientes são atos não-cooperativos, a conseqüência desse raciocínio será a inexistência de retorno econômico aos cooperados, em virtude da obrigatoriedade de destinação dos recursos ao Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social-FATES, como prescrito no art. 87 da Lei 5.764⁄71. Interpretação dessa natureza esvazia a razão de existir da própria cooperativa nos ramos de venda em comum e compra em comum.
O art. 28 da Lei 5.764⁄71 deixa clara a destinação que deve ser dada aos recursos ingressos no FATES, verbis:
"Art. 28. As cooperativas são obrigadas a constituir:
II - Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social, destinado a prestação de assistência aos associados, seus familiares e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa, constituído de 5% (cinco por cento), pelo menos, das sobras líquidas apuradas do exercício".
Assim, a prevalecer a tese fazendária, os recursos oriundos da prestação de serviços médicos a clientes e usuários, tratando-se de atos não-cooperativos, devem ingressar no FATES e servir, apenas, para cobrir despesas da cooperativa com assistência aos associados, seus familiares e empregados, nos termos do estatuto. Em outras palavras, os cooperados nada recebem dos valores repassados à cooperativa pela prestação dos serviços médicos, a não ser que os serviços sejam prestados a outros médicos cooperados.
Essa inconsistência lógica foi detectada pelo mestre Geraldo Ataliba, verbis:
"Nem se diga que as operações instrumentais que importam celebração de contratos pela Cooperativa, em nome dos associados, caracterizam prestação de serviços por envolver terceiros. tal assertiva, por absurda, deve ser afastada.
Seria despropositado; repugnaria mesmo ao mais comezinho senso comum, que a constituição de cooperativa de serviços médicos - ou de outras, quaisquer que fosse o seu objeto - se desse para o fim de os médicos prestarem serviços uns aos outros.
Equivaleria a dizer que - fosse uma cooperativa de motoristas de taxi - a sociedade fora formada a fim de que, em seus veículos, os motoristas transportassem uns aos outros! Dislate dessa monta - até em respeito ao leitor - não merece outras considerações" (apud OLIVEIRA, José Cláudio Ribeiro. O Ato Cooperativo nas Cooperativas de Serviço de Saúde in Ato Cooperativo e seu Adequado Tratamento Tributário, coord. Guilherme Krueger, Belo Horizonte: Melhoramentos, 2004, p. 175).
A preocupação de todo jurista e, sobretudo, do Judiciário, deve ser a de evitar a proliferação de "cooperativas de fachada", que assim se organizam apenas para usufruir os benefícios que a legislação concede a esse tipo de entidade, mas que não preenchem os requisitos mínimos previstos em lei para se constituírem com tal.
Nesse sentido, para se evitar a fraude, somente uma perícia contábil específica permitirá saber quem, efetivamente, recebeu os preços dos serviços médicos, prestados por conta dos convênios firmados, bem como se a "taxa de administração" cobrada pela cooperativa de seus associados se limita à cobertura de despesas administrativa, ou, se representou, em parte, remunerações disfarçadas.
Mas, esse tipo de preocupação é própria das instâncias ordinárias, pois esta Corte não dispõe de liberdade para o exame de fatos e provas, nos termos da Súmula 7⁄STJ.
No caso concreto, o acórdão recorrido firmou as premissas de que a atividade da cooperativa não é lucrativa e de que os valores por ela arrecadados são repassados aos cooperados na proporção dos serviços médicos executados.
Nesse termos, deve ser observada a seguinte passagem do voto condutor, o qual firma a premissa de que a cooperativa não auferia lucros, mas apenas repassava o valor recebido a cada associado:
Da análise do conjunto probatório dos autos, não é possível se extrair que a apelada efetivamente presta serviços a terceiros, mas sim a seus próprios cooperados, pois apenas procede a intermediação (mandatária), na celebração de contratos com terceiros, dentro da especialização médica, objeto da sua constituição jurídica, sem auferir lucros (fl. 263).
Diante dessa premissa, não tenho dúvida de que deve ser mantido o acórdão recorrido.
Faço aqui uma última ressalva para que não se dê à orientação consagrada nesse voto um dimensionamento que ela não possui. A hipótese ora examinada é de típica cooperativa de serviços médicos, e não de entidades que negociam no mercado planos de saúde, como é o caso da Unimed.
O fundamento da cobrança do ISS no caso Unimed é diverso, já que embasado nos itens 4.22, 4.23 e 10.01 da Lista Anexa à Lei Complementar n.º 116⁄03, verbis:
4.22 – Planos de medicina de grupo ou individual e convênios para prestação de assistência médica, hospitalar, odontológica e congêneres.
4.23 – Outros planos de saúde que se cumpram através de serviços de terceiros contratados, credenciados, cooperados ou apenas pagos pelo operador do plano mediante indicação do beneficiário.
10.01 – Agenciamento, corretagem ou intermediação de câmbio, de seguros, de cartões de crédito, de planos de saúde e de planos de previdência privada.
No caso, o Tribunal de origem, ao analisar os fatos e as provas dos autos, descreveu a atividade prestada pela cooperativa da seguinte forma:
Pois bem. Apresentada a exegese da tributação dos atos praticados por cooperativa e debruçando-me sobre o iter da atividade desenvolvida pela Cooperativa⁄Apelada sobre a qual o Município⁄Apelante visa tributar, percebo que se desenvolve do seguinte modo: primeiro os médicos-cooperados prestam serviço aos pacientes de planos⁄seguros⁄convênios de saúde e encaminham relação dos serviços realizados à Cooperativa; depois esta individualiza o valor devido a cada médico-cooperado a partir da relação mencionada e remete aos planos⁄seguros⁄convênios de saúde; estes repassam os valores se gundo a individualização apresentada para a Cooperativa; esta finaliza sua atividade entregando a cada médico-cooperado o que lhe é devido sem a retenção de qualquer parcela.
Ora, é factível que a operação noticiada consiste em ato tipicamente cooperativo, logo não sujeito a incidência do ISSQN. A Cooperativa funciona apenas como intermediária na relação entre os planos⁄seguros⁄convênios de saúde e os médicos-cooperados. Na verdade, não comercializa qualquer serviço ou plano de saúde com terceiros não-cooperados, circunscrevendo sua atividade em informar aos planos⁄seguros⁄convênios de saúdes os valores cobrados por seus cooperados, os quais uma vez adimplidos são entregues em sua totalidade, ou seja, sem percepção de lucro, aos médicos cooperados. Enfim, é ato praticado em favor exclusivo dos seu s cooperados sem a comercialização de qualquer serviço a terceiros que dê ensejo a incidência do ISSQN (e-STJ fl. 322 - sem destaque no original).
Embora não seja possível reexaminar o contexto fático-probatório da demanda no bojo do apelo especial, admite-se que esta Corte realize a valoração jurídica acerca das atividades delineadas na origem.
Dessa feita, considerando-se que os serviços médicos são prestados diretamente pelos médicos e não pela cooperativa, deve-se admitir tão somente a incidência do ISS sobre os serviços prestados pelos associados (valor fixo), consoante disposto no art. 9º, parágrafo único, do DL 406⁄68.
Não é possível, portanto, a tributação pelo ISS sobre a atividade prestada pela cooperativa - recebimento dos valores pagos pela prestação dos serviços, posteriormente repassados aos cooperados com as deduções das despesas operacionais - quer pela absoluta ausência de tipicidade (aspecto material), já que não há, nem nunca houve, previsão de incidência do imposto sobre essa atividade em quaisquer das listas anexas até hoje elaboradas (DL 406⁄68, LC 56⁄87 ou LC 116⁄03); quer pela gratuidade do serviço (aspecto dimensível), que obsta a quantificação do imposto por ausência do elemento "preço".
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA TURMA
Número Registro: 2010⁄0170129-1
REsp 1.213.479 ⁄ AL
Números Origem:  001070757225  20090000980  20090000980000100

PAUTA: 09⁄11⁄2010 JULGADO: 09⁄11⁄2010


Relator
Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro HUMBERTO MARTINS
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOSÉ FLAUBERT MACHADO ARAÚJO
Secretária
Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : MUNICÍPIO DE MACEIÓ
ADVOGADO : TIAGO RODRIGUES LEÃO DE C. GAMA E OUTRO(S)
RECORRIDO : COOPERATIVA DOS ANESTESIOLOGISTAS DO ESTADO DE ALAGOAS LTDA
ADVOGADO : PAULO NICHOLAS DE FREITAS NUNES E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO TRIBUTÁRIO - Impostos - ISS⁄ Imposto sobre Serviços
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."
Os Srs. Ministros Humberto Martins (Presidente), Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Cesar Asfor Rocha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 09  de novembro  de 2010
VALÉRIA ALVIM DUSI
Secretária
Última modificação em Quarta, 15 Março 2017 03:23

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