•Processual civil e tributário – ISS – Serviços de registros públicos, cartorários e notariais – Base de cálculo – Art. 9º, § 1º, do DL 406/1968 – Tributação fixa – Matéria apreciada pelo STF – ADIN 3.089/DF – 1. Hipótese em que se discute a base de cálculo do ISS incidente sobre serviços de registros públicos, cartorários e notariais – A contribuinte defende tributação fixa, nos termos do art. 9º, § 1º, do DL 406/1968, e não alíquota sobre o preço do serviço (art. 7º, caput, da LC 116/2003), ou seja, sobre os emolumentos cobrados dos usuários – 2. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a incidência do ISS, in casu, ao julgar a ADIN 3.089/DF, proposta pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil – Anoreg – Na oportunidade, ratificou a competência municipal e afastou a alegada imunidade pretendida pelos tabeliães e cartorários (i) ao analisar a natureza do serviço prestado e, o que é relevante para a presente demanda, (ii) ao reconhecer a possibilidade de o ISS incidir sobre os emolumentos cobrados (base de cálculo), mesmo em se tratando de taxas – 3. O acórdão do Supremo Tribunal Federal, focado na possibilidade de os emolumentos (que são taxas) servirem de base de cálculo para o ISS, afastou, por imperativo lógico, a possibilidade da tributação fixa, em que não há cálculo e, portanto, base de cálculo – 4. Nesse sentido, houve manifestação expressa contrária à tributação fixa no julgamento da ADIN, pois "descabe a analogia – profissionais liberais, Decreto nº 406/68 –, caso ainda em vigor o preceito respectivo, quando existente lei dispondo especificamente sobre a matéria – O art. 7º da Lei Complementar nº 116/03 estabelece a incidência do tributo sobre o preço do serviço" – 5. Ademais, o STF reconheceu incidir o ISS à luz da capacidade contributiva dos tabeliães e notários – 6. A tributação fixa do art. 9º, § 1º, do DL 406/1968 é o exemplo clássico de exação ao arrepio da capacidade contributiva, porquanto trata igualmente os desiguais – A capacidade contributiva somente é observada, no caso do ISS, na cobrança por alíquota sobre os preços, conforme o art. 9º, caput, do DL 406/1968, atual art. 7º, caput, da LC 116/2003 – 7. Finalmente, o STF constatou que a atividade é prestada com intuito lucrativo, incompatível com a noção de simples "remuneração do próprio trabalho", prevista no art. 9º, § 1º, da LC 116/2003 – 8. A Associação dos Notários e Registradores do Brasil – Anoreg, quando propôs a ação direta de inconstitucionalidade, pretendia afastar o ISS calculado sobre a renda dos cartórios (preço dos serviços, emolumentos cobrados do usuário) – 9. A tentativa de reabrir o debate no Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial, reflete a inconfessável pretensão de reverter, na seara infraconstitucional, o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, o que é, evidentemente, impossível – 10. De fato, a interpretação da legislação federal pelo Superior Tribunal de Justiça – No caso a aplicação do art. 9º, § 1º, do DL 406/1968 – Deve se dar nos limites da decisão com efeitos erga omnes proferida pelo STF na ADIN 3.089/DF – 11. Nesse sentido, inviável o benefício da tributação fixa em relação ao ISS sobre os serviços de registros públicos, cartorários e notariais – 12. Recurso especial não provido. (Nota da Redação INR: ementa oficial)
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ISS. SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS. BASE DE CÁLCULO. ART. 9º, § 1º, DO DL 406/1968. TRIBUTAÇÃO FIXA. MATÉRIA APRECIADA PELO STF. ADIN 3.089/DF. 1. Hipótese em que se discute a base de cálculo do ISS incidente sobre serviços de registros públicos, cartorários e notariais. A contribuinte defende tributação fixa, nos termos do art. 9º, § 1º, do DL 406/1968, e não alíquota sobre o preço do serviço (art. 7º, caput, da LC 116/2003), ou seja, sobre os emolumentos cobrados dos usuários. 2. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a incidência do ISS, in casu, ao julgar a Adin 3.089/DF, proposta pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil – Anoreg. Na oportunidade, ratificou a competência municipal e afastou a alegada imunidade pretendida pelos tabeliães e cartorários (i) ao analisar a natureza do serviço prestado e, o que é relevante para a presente demanda, (ii) ao reconhecer a possibilidade de o ISS incidir sobre os emolumentos cobrados (base de cálculo), mesmo em se tratando de taxas. 3. O acórdão do Supremo Tribunal Federal, focado na possibilidade de os emolumentos (que são taxas) servirem de base de cálculo para o ISS, afastou, por imperativo lógico, a possibilidade da tributação fixa, em que não há cálculo e, portanto, base de cálculo. 4. Nesse sentido, houve manifestação expressa contrária à tributação fixa no julgamento da Adin, pois "descabe a analogia – profissionais liberais, Decreto nº 406/68 –, caso ainda em vigor o preceito respectivo, quando existente lei dispondo especificamente sobre a matéria. O art. 7º da Lei Complementar nº 116/03 estabelece a incidência do tributo sobre o preço do serviço". 5. Ademais, o STF reconheceu incidir o ISS à luz da capacidade contributiva dos tabeliães e notários. 6. A tributação fixa do art. 9º, § 1º, do DL 406/1968 é o exemplo clássico de exação ao arrepio da capacidade contributiva, porquanto trata igualmente os desiguais. A capacidade contributiva somente é observada, no caso do ISS, na cobrança por alíquota sobre os preços, conforme o art. 9º, caput, do DL 406/1968, atual art. 7º, caput, da LC 116/2003. 7. Finalmente, o STF constatou que a atividade é prestada com intuito lucrativo, incompatível com a noção de simples "remuneração do próprio trabalho", prevista no art. 9º, § 1º, da LC 116/2003. 8. A Associação dos Notários e Registradores do Brasil – Anoreg, quando propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade, pretendia afastar o ISS calculado sobre a renda dos cartórios (preço dos serviços, emolumentos cobrados do usuário). 9. A tentativa de reabrir o debate no Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial, reflete a inconfessável pretensão de reverter, na seara infraconstitucional, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade, o que é, evidentemente, impossível. 10. De fato, a interpretação da legislação federal pelo Superior Tribunal de Justiça – no caso a aplicação do art. 9º, § 1º, do DL 406/1968 – deve se dar nos limites da decisão com efeitos erga omnes proferida pelo STF na Adin 3.089/DF. 11. Nesse sentido, inviável o benefício da tributação fixa em relação ao ISS sobre os serviços de registros públicos, cartorários e notariais. 12. Recurso Especial não provido. (STJ – REsp nº 1.187.464– RS – 2ª Turma – Rel. Min. Herman Benjamin – DJ 01.07.2010)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Eliana Calmon, Castro Meira e Humberto Martins (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 1º de junho de 2010 (data do julgamento).
MINISTRO HERMAN BENJAMIN – Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator):
Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição da República, contra acórdão assim ementado (fl. 329):
ISS. NOTÁRIOS. REGISTRADORES. BASE DE CÁLCULO. TRABALHO PESSOAL. Os serviços notariais e de registros não são prestados pessoalmente pelos delegatários, os quais podem contratar escreventes e auxiliares para o desempenho de suas funções. Os escreventes, inclusive, atuam como substitutos, podendo praticar todos os atos de competência dos tabeliães e oficiais de registro, à exceção dos testamentos. Sua renda, portanto, não é fruto apenas do seu trabalho pessoal, mas advém, também, do trabalho, no exercício da atividade fim, realizado pelos substitutos e escreventes, salvo a de lavrar testamentos. De regra, tais serviços ostentam feição empresarial, na qual a sua exploração se dá por meio de uma organização estruturada para sua realização e não pelo esforço do trabalho pessoal do notário ou do registrador. Por isso, não se lhes aplicam o § 1º do art. 9º do Decreto-lei 406/68, cuja ratio é conferir tratamento privilegiado aos contribuintes que auferem receita com o fruto do seu trabalho pessoal, ou seja, realizam eles próprios a atividade fim. Recurso provido. Relatora vencida.
A contribuinte aponta dissídio jurisprudencial e ofensa ao art. 9º, § 1º, do Decreto-Lei 406/1968, pois "a recorrente (Oficiala do Registro de Imóveis) presta serviços sob a forma de trabalho próprio e pessoal, o que implica que o tributo deva ser calculado, por meio de alíquotas fixas e variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, neste não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho" (fl. 427).
O Recurso foi admitido na origem (fl. 504).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Discute-se a base de cálculo do ISS incidente sobre os serviços de registros públicos, cartorários e notariais (item 21 da lista anexa à LC 116/2003).
A contribuinte, titular de Cartório de Imóvel, ciente de que deverá recolher o ISS (matéria incontroversa), pretende pagar valor fixo, nos termos do art. 9º, § 1º, do DL 406/1968, e não montante calculado pela multiplicação de alíquota sobre os preços cobrados pelos serviços, conforme o caput desse dispositivo e atual art. 7º, caput, da LC 116/2003:
DL 406/1968, Art 9º A base de cálculo do impôsto é o preço do serviço.
§ 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o impôsto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.
(...)
LC 116/2003, Art. 7º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. (...)
O Tribunal de origem analisou a questão à luz da decisão do Supremo Tribunal Federal na Adin 3.089/DF, proposta pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil – Anoreg, concluindo pela não incidência do benefício do art. 9º, § 1º, do DL 406/1968 em favor dos tabeliães e notários.
De fato, a legislação federal deve ser interpretada à luz do julgamento do STF a respeito da incidência do ISS, na hipótese.
Entender de forma diversa seria negar autoridade àquele julgado.
Isso porque a Suprema Corte ratificou a competência municipal e afastou a alegada imunidade pretendida pelos tabeliães a cartorários ao (i) analisar a natureza do serviço prestado e, o que é relevante para a presente demanda, (ii) reconhecer a possibilidade de o ISS incidir sobre os emolumentos cobrados (base de cálculo), mesmo tratando de taxas.
Este é o primeiro e principal ponto que analisarei mais adiante: a base de cálculo como fundamento essencial para o julgamento da Adin 3.089/DF.
Ademais, a Suprema Corte aferiu que o ISS deve incidir à luz da capacidade contributiva dos tabeliães e notários, o que é incompatível com a tributação fixa pretendida pela recorrente.
Finalmente, o STF reconheceu que os serviços são prestados com intuito lucrativo, o que é característica da atividade empresarial e, portanto, afastou o benefício do art. 9º, § 1º, do DL 406/1968.
Analisarei cada um desses aspectos em tópicos separados.
1. Análise da incidência do ISS pelo STF a partir de sua base de cálculo (preço do serviço, renda do notário e do tabelião)
Um dos principais argumentos dos tabeliães e notários, a buscar a declaração de inconstitucionalidade na Adin 3.089/DF, referia-se à impossibilidade de cálculo do ISS sobre a base de cálculo (preço do serviço) composta por taxas cobradas dos usuários de seus serviços.
Ademais, segundo os donos de cartório, a cobrança do ISS sobre essa base da cálculo, ou seja, sobre seus rendimentos (preços cobrados), representaria bis in idem em relação ao Imposto de Renda.
É natural, portanto, que o Supremo Tribunal Federal, ao ratificar a validade da tributação municipal, analisasse a questão à luz da base de cálculo do ISS, como de fato ocorreu.
No início dos debates, o Ministro Sepúlveda Pertence, ao divergir do relator, Ministro Carlos Britto (que seria vencido), destacou que o debate referia-se à tributação da renda (= preços cobrados) do cartório:
Agora, a minha primeira intervenção foi exatamente esta: se vamos levar essas definições para outros efeitos, às últimas conseqüências, a renda do cartório é tributária. Então como incidir o imposto de renda sobre uma renda tributária?
Também o Ministro Joaquim Barbosa, em sua manifestação que se tornou voto-vencedor, deixou claro que o cerne do debate de índole constitucional (competência tributária e imunidade) referia-se à incidência do ISS sobre a "contraprestação pelo exercício delegado de serviços notariais e de registro" (grifei). Ora, a contraprestação pelo serviço é exatamente o preço, sobre o qual incide o tributo municipal. Transcrevo o trecho do voto a que me refiro:
Considero que a tributação a título de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, recebidos por particulares como contraprestação pelo exercício delegado de serviços notariais e de registro (art. 236, caput, da Constituição), não viola a imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, a, da Constituição. Assim entendo, pois a tributação, nessas bases, é coerente com as garantias federativas que a Constituição busca assegurar com o implemento da imunidade recíproca.
Mais adiante, o Ministro Joaquim Barbosa consignou que a cobrança de taxa pelos tabeliães e notários não impedia o cálculo e a cobrança do ISS sobre essa base de cálculo:
A circunstância de o valor das taxas, e, conseqüentemente, do valor destinado ao notário como contraprestação pelo serviço, sujeitarem-se à definição pelo Poder Público não impressiona, já que os serviços concedidos, e normalmente tributados, também podem se submeter ao mesmo tipo de restrição.
O próprio relator da Adin, Ministro Carlos Britto, que acabou vencido naquele julgamento, demonstrou que a possibilidade de cobrança do ISS sobre essa base de cálculo estava no cerne da questão então analisada (a própria incidência do tributo municipal):
Aliás, uma das razões pelas quais entendo que os emolumentos, correspondendo à remuneração do titular da delegação, revestindo a natureza de taxa, não podem servir de base de cálculo para o imposto, que não pode ter por base de cálculo aquela que já serviu para incidência de uma taxa.
Mais adiante, o Ministro Carlos Britto reiterou seu entendimento, atinente à base de cálculo do ISS, a qual, in casu, seria a taxa cobrada do usuário do serviço (trecho de seu voto-vencido):
Se não bastasse, no caso, está a acontecer o seguinte: o município pretende instituir o imposto sobre serviços de qualquer natureza, mas tendo por base de cálculo uma taxa (emolumentos, dissemos). Quero dizer, é um imposto sobre taxa. Uma taxa imposta aos usuários dos serviços notariais, o que não é juridicamente possível.
A manifestação do Ministro Marco Aurélio, acompanhando a divergência inaugurada pelo Ministro Joaquim Barbosa, também centra o debate na base de cálculo do ISS, divergindo da tese defendida pelo relator, Ministro Carlos Britto:
O fato de o serviço ser remunerado mediante emolumentos, mediante taxa, não exclui a incidência do ISS.
Como se vê, o acórdão do Supremo Tribunal Federal, focado na possibilidade de os emolumentos (que são taxas) servirem de base de cálculo para o ISS, afastou, por imperativo lógico, a possibilidade da tributação fixa, em que não há cálculo e, portanto, base de cálculo.
Nesse sentido, o Ministro Marco Aurélio, cujo voto compõe o acórdão na Adin 3.089/DF, é categórico: o tabelião e o notário não são profissionais liberais, conforme o art. 9º, § 1º, do DL 406/1968, de modo que a base de cálculo do ISS, in casu, é o preço do serviço (grifei):
No tocante à base de incidência, descabe a analogia – profissionais liberais, Decreto nº 406/68 –, caso ainda em vigor o preceito respectivo, quando existente lei disponde especificamente sobre a matéria. O art. 7º da Lei Complementar nº 116/03 estabelece a incidência do tributo sobre o preço do serviço.
Perceba-se que Sua Excelência faz referência expressa ao art. 7º da LC 116/2003, ou seja, sobre a incidência do ISS sobre o preço do serviço, exatamente porque esse é um dos fundamentos básicos do debate constitucional: incidência do ISS que não é afastada pela natureza de sua base de cálculo (preço do serviço formado por taxa).
2. Reconhecimento, pelo STF, de que o ISS deve incidir à luz da capacidade contributiva dos notários e tabeliães
Ademais, o egrégio Supremo Tribunal Federal reconheceu a incidência do ISS à luz da capacidade contributiva dos tabeliães e notários, conforme o voto-condutor do Ministro Joaquim Barbosa:
Assim entendo, em primeiro lugar, porque a tributação de serviço de índole pública, mas explorado economicamente por particular não implica risco algum ao equilíbrio entre os entes federados e, em segundo, porque os agentes notariais demonstram capacidade contributiva objetiva, por se dedicarem com inequívoco intuito lucrativo à atividade.
Ora, a tributação fixa do art. 9º, § 1º, do DL 406/1968 é o exemplo clássico de cobrança ao arrepio da capacidade contributiva, na medida em que trata igualmente os desiguais.
De fato, não importa se o dono do cartório tem renda de R$ 10 mil ou R$ 10 milhões por ano, pois recolheria exatamente o mesmo valor ao fisco municipal, em caso de aplicação do art. 9º, § 1º, do DL 406/1968.
A capacidade contributiva somente é observada, no caso do ISS, na cobrança por alíquota sobre os preços, conforme o art. 9º, caput, do DL 406/1968, atual art. 7º, caput, da LC 116/2003.
Isso evidencia, também, a fundamentação atinente à base de cálculo do ISS, adotada pelo egrégio Supremo Tribunal Federal no julgamento da Adin 3.089/DF.
3. Reconhecimento, pelo STF, da atividade com intuito lucrativo e, portanto, empresarial
É cediço que a tributação fixa prevista no art. 9º, § 1º, do DL 406/1968 refere-se aos casos em que não há atividade empresarial, que busca o lucro, mas sim "trabalho pessoal do próprio contribuinte", o que afasta a incidência do ISS sobre a "remuneração do próprio trabalho" (grifei):
DL 406/1968, Art 9º, § 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o impôsto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.
De fato, o STJ tem entendimento pacífico de que a entidade empresarial não tem direito à tributação fixa:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. ISS. SOCIEDADE CIVIL QUE PRESTA SERVIÇOS CONTÁBEIS. SOCIEDADE LIMITADA. FINALIDADE EMPRESARIAL. NÃO-INCIDÊNCIA DO ART. 9º, § § 1º E 3º, DO DECRETO-LEI N. 406/68. REVISÃO DAS CONCLUSÕES DO TRIBUNAL DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS N. 5 E 7 DESTA CORTE SUPERIOR. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA. ART. 535, II, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. (...) 3. O art. 9º, § 3º, do DL 406/68 concede às sociedades civis uniprofissionais, que têm por objeto a prestação de serviço especializado, com responsabilidade pessoal e sem caráter empresarial, tratamento privilegiado quanto à cobrança do ISSQN. (...) 8. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1023655/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/04/2010, DJe 29/04/2010)
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA. ISS. TRATAMENTO PRIVILEGIADO. DL 406/68, ART. 9º. FINALIDADE NÃO EMPRESARIAL FIRMADA PELO ACÓRDÃO. REVISÃO. SÚMULA 7 DO STJ. INCIDÊNCIA. PRECEDENTES. (...) 2. "Nos termos do art. 9º, § 3º, do DL 406/68, têm direito ao tratamento privilegiado do ISS as sociedades civis uniprofissionais, que têm por objeto a prestação de serviço especializado, com responsabilidade social e sem caráter empresarial". (REsp 766.725/RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 19/9/2005). (...) 7. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1165454/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/12/2009, DJe 11/12/2009)
Como adiantado, o egrégio Supremo Tribunal Federal, ao ratificar a incidência do ISS sobre os serviços notariais e cartorários, constatou que a atividade é prestada com intuito lucrativo, o que é incompatível com a noção de simples "remuneração do próprio trabalho", prevista no art. 9º, § 1º, da LC 116/2003.
Sua Excelência, o Ministro Joaquim Barbosa, manifestou-se inequivocamente nesse sentido em seu voto-vencedor:
Inicialmente, anoto que a atividade notarial é sempre exercida por entes privados, mediante contraprestação com viés lucrativo, posto que de índole estatal, submetida ao poder de polícia do Judiciário (art. 236, caput e §§ 1º e 2º, da Constituição).
Mais adiante, o mesmo Ministro Joaquim Barbosa:
Reconhecer a aplicabilidade da imunidade recíproca à tributação de serviço público explorado com intuito lucrativo por particulares redundaria, em última análise, a privilegiar a exploração econômica particular, e não pacto federativo.
Constatada pelo Supremo Tribunal Federal a atividade com finalidade lucrativa, impossível a pretensão de tributação fixa com base no art. 9º, § 1º, do DL 406/1968.
4. Conclusão
Quando a Associação dos Notários e Registradores do Brasil – Anoreg propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade, pretendia afastar o ISS calculado sobre a renda dos cartórios (preço dos serviços, emolumentos cobrados do usuário).
Seria muita ingenuidade imaginar que os donos de cartórios estavam a discutir o ínfimo valor fixo que é cobrado dos profissionais liberais, com base no art. 9º, § 1º, do DL 406/1968.
Tampouco os Municípios se dariam ao trabalho de debater a matéria, caso estivesse em jogo apenas alguns poucos milhares de reais relativos aos cartórios em seus territórios.
Toda a discussão naquela demanda e, como visto, a fundamentação do acórdão proferido pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, refere-se (i) à natureza do serviço prestado pelos notários e tabeliães e (ii) à possibilidade de cálculo do ISS sobre os emolumentos, que, conforme a conhecida e citada jurisprudência da Corte Maior, têm natureza tributária (taxas).
Com base na análise desse dois pontos, o STF afastou a alegação de imunidade e ratificou a competência tributária dos municípios.
A tentativa de reabrir o debate no STJ, em Recurso Especial, reflete a inconfessável pretensão de reverter, na seara infraconstitucional, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade, o que é, evidentemente, impossível.
De fato, a interpretação da legislação federal pelo Superior Tribunal de Justiça, no caso, a aplicação do art. 9º, § 1º, do DL 406/1968, deve se dar nos limites da decisão com efeitos erga omnes proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Adin 3.089/DF.
Nesse sentido, não se aplica o benefício da tributação fixa no caso do ISS incidente sobre os serviços de registros públicos, cartorários e notariais.
Diante do exposto, nego provimento ao Recurso Especial.
É como voto.