Receita Federal fará operações mais detalhadas em 2019, monitorando as redes sociais dos contribuintes em busca de possíveis casos de sonegação fiscal.
Na execução da fiscalização é muito comum que o auditor-fiscal analise as redes sociais para identificar bens e possíveis interpostas pessoas (laranjas) nos relacionamentos do contribuinte fiscalizado.
Já na área de seleção e programação da ação fiscal, a Receita Federal está utilizando modelos de inteligência artificial que realizam buscas na internet e incluem essas informações dentre os parâmetros para seleção do contribuinte para fiscalização. Evidente que as informações de redes sociais são apenas indícios, que se somam aos diversos outros cruzamentos que os auditores-fiscais realizam, como informações bancárias, cartórios, veículos, declarações de fontes pagadoras, empresas de viagens.
Portanto, trata-se de cruzamento de informações que se aperfeiçoa a cada dia com a retroalimentação dos sistemas com a experiência dos auditores-fiscais, bem como com a própria evolução da tecnologia.
Estima-se que as informações de redes sociais já tenham contribuído com subsídios para o lançamento ou atribuição de responsabilidade tributária a mais de 2.000 contribuintes, com valor sonegado na ordem de R$ 1 bilhão de reais. [1]
Abaixo citamos exemplos em que a rede social pode ser uma ferramenta fundamental para o cumprimento das atribuições do Fisco Federal: [2]
1) Confissão: Durante a fiscalização foi identificado que o proprietário registrado no contrato social era uma interposta pessoa (laranja), entretanto tanto o laranja como o suposto real proprietário negavam possuir qualquer vínculo. Em pesquisas nas redes sociais foram identificadas fotos do laranja com o real proprietário da empresa, demonstrando seu vínculo;
2) Viagens: As redes sociais são úteis também no caso em que filho de contribuinte fala sobre viagens caras e bens do pai que podem servir de subsídio para fiscalização e garantia dos créditos tributários;
3) Amizades: Ainda através das redes sociais os Auditores-Fiscais identificam amigos, com quem o contribuinte se relaciona, permitindo a inclusão dos amigos nas pesquisas de relacionamentos, que facilitam a busca de laranjas e transferências patrimoniais , ocasião em que em fiscalização foi identificado que o proprietário registrado no contrato social era uma interposta pessoa (laranja). Em redes sociais, verificou-se que o laranja “dono de empresa” que faturava 100 milhões por ano, postava fotos de “churrasco na laje”, demonstrado incompatibilidade de sua situação de proprietário daquela empresa;
4) Propriedade: Situação em que o contribuinte assume em redes sociais ser proprietário de empresa que não está em seu nome;
5) Comprovação vínculo societário: Situação em que um motorista afirmando prestar serviço para proprietário de empresa que não aparece no quadro societário constante nos registros;
6) Festas: Vídeo encontrado no Youtube de festa de fim de ano da empresa em que o real proprietário se dirige aos funcionários, sendo que para Receita Federal ele se apresentava com vendedor da empresa. Esse vídeo passou a constar como um dos elementos de prova no processo de lançamento do auto de infração para caracterizar a pessoa com real proprietário da empresa.
7 ) Ostentação em rede social: Selfie publicada em rede social dirigindo carro de valor alto, fotografia ao lado de uma super lancha ou moto que ganhou do pai , postada em rede social, pode ser um alerta ao fisco.
Direito da Privacidade e os limites da legalidade da conduta da Receita como entidade pública
As fotos, por si, que a priori se mostram como ostentação, não são indícios suficientes para cobrança do Imposto de Renda. Podemos afirmar que são indícios que a partir dos quais a Receita poderá investigar o contribuinte para, de posse de outros dados, se for o caso, cobrar o imposto. Afinal, os bens podem ser de terceiros, sendo certo que nem sempre o que as pessoas publicam em redes sociais corresponde à verdade.
Nesse cenário, uma pessoa pode sentar-se numa moto Harley-Davidson CVO Limited no Brasil, avaliada em R$ 139.900,00 ( Cento e trinta e nove mil e novecentos reais), porém que pertence a um conhecido, por exemplo, e tirar uma foto para postar em rede social, induzindo o público a pensar que a moto Harley lhe pertence, por exemplo.
Entendemos que o monitoramento, com a finalidade de cumprimento de atribuições legais do fisco, não é invasão de privacidade, pois o próprio contribuinte deixa os dados em modo público, sem restrições. Ademais, é dado, pela Constituição Federal, a faculdade da administração tributária, respeitando os direitos individuais do cidadão, identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas dos contribuintes”, destaca o auditor. Essa é a garantia para que a Receita Federal cumpra sua missão.
Por outro lado, é fundamental salientar que a utilização das redes sociais por um ente público deve respeitar os princípios da administração pública, notadamente o da moralidade, previsto no artigo 37 da Constituição Federal. Assim, o Fisco, mesmo arguindo a seu favor a necessidade de combate à sonegação fiscal, não poderia utilizar-se de meios ardilosos para obter informações que o usuário definiu como privadas para determinados grupos. Portanto, hipoteticamente, não poderia o Fisco proceder à criação de perfil de usuário falso nas redes sociais para obter informações que não são divulgadas em modo público e irrestrito.
O delegado adjunto do órgão no Espírito Santo, Ivo Pontes Schayde, afirma não se tratar de violação de privacidade, mas apenas do uso de uma ferramenta legal e aberta ao público capaz de oferecer muita informação sobre as pessoas. [3]
“Não é uma questão de intimidade, mas uma questão de avaliação patrimonial e de disponibilidade financeira”, disse o delegado à reportagem da Gazeta Online. “Existem situações de pessoas que colocam fotos de muitas viagens, carros de luxo e outros bens que indicam que ela tem um patrimônio elevado. Mas quando olhamos a declaração dela, percebemos que existe uma divergência entre o salário informado e a vida social que tem”.
Ao ser notada alguma irregularidade, o contribuinte é convocado pela Receita Federal a fim de prestar esclarecimentos. Na melhor das hipóteses, as justificativas são aceitas e a pessoa é liberada; na pior delas, o cidadão pode ser autuado e multado. “E, dependendo da inconsistência, existe a possibilidade de identificação ainda de fraude, dolo ou simulação, que poderão ser representados ao Ministério Público, levanto até mesmo a pessoa a pegar de dois a cinco anos de reclusão”, esclarece o delegado.
A Privacidade e a Lei de Proteção a Privacidade de Dados
Por outro lado ressaltamos aqui para fins de fiscalização e seleção de contribuintes, especificamente com relação aos dados coletados de usuários de internet, é necessário observar que há regras específicas, aplicáveis a entes públicos e privados, positivadas pelo Marco Civil da Internet (Lei Federal n. 12.965/2014, que, em seu artigo 1º: “estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria”).
Vale lembrar que com o crescimento das redes sociais e dos aplicativos hospedados em nuvem, os dados pessoais começaram a ficar cada vez mais expostos, o que levou especialistas e legisladores do mundo todo a fazerem uma reflexão sobre a criação de leis específicas, para a regulação da utilização de dados de forma comercial pelas empresas.
Aqui no Brasil, os cuidados com os dados pessoais ganharam um senso de urgência quando foi revelado o escândalo do vazamento de dados referentes à última eleição presidencial dos Estados Unidos, em que dados de usuários do Facebook foram coletados pela empresa Cambridge Analytica e utilizados de forma estratégica no pleito, bem como a Regulamentação Geral de Proteção de dados, da União Europeia, a GDPR –General Data Protection Regulation, em inglês, acelerou a promulgação da Lei de Proteção de dados Brasileira – nº 13.709/2018 combinada com MP 869/2018, que entra em vigor em agosto de 2020
Portanto a LGPD foi criada e implementada para suprir uma necessidade urgente de proteção dos dados, com vistas a penalizar de forma mais objetiva a utilização de dados pessoais de forma indevida pelas empresas publicas e privadas on line e off line.
A lei dá mais protagonismo ao titular dos dados e torna clara e objetiva a necessidade de consentimento explícito do proprietário das informações, passando a ele o controle sobre a utilização, tratamento, modificação, portabilidade e eliminação desses dados de forma prática e desburocratizada.
Isso impedirá que as empresas públicas e privadas utilizem táticas como a disponibilização de termos de uso de dados de forma obscura, sem deixar claro para o usuário o que será feito e os objetivos da captação das informações.
Assim sendo, retomando o tema, do monitoramento de informações pela Receita Federal através de redes sociais, à luz da LGPD, caso se trate de dados que foram tornados manifestamente públicos pelo próprio titular (como por exemplo as informações disponibilizadas pelo titular por meio de suas redes sociais, desde que em perfil público, no meu singelo entendimento), é dispensada a exigência do consentimento, mas se mantem resguardados os demais direitos do titular previstos na legislação (§ 4 do art. 7º LGPD [4])
Observando o tema a luz da Lei geral de proteção de dados 13.709/2018, em especial citamos o artigo 23 da citada LGPD, “in verbis”: [5]
“Art. 23. O tratamento de dados pessoais pelas pessoas jurídicas de direito público referidas no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação), deverá ser realizado para o atendimento de sua finalidade pública, na persecução do interesse público, com o objetivo de executar as competências legais ou cumprir as atribuições legais do serviço público”
Trocando em miúdos, o tratamento de dados pessoais pelas pessoas jurídicas de direito público deverá ser realizado para o atendimento de sua finalidade pública, na persecução do interesse público, com o objetivo de executar as competências legais ou cumprir as atribuições legais do serviço público, desde que sejam informadas as hipóteses em que, no exercício de suas competências, realizam o tratamento de dados pessoais, fornecendo informações claras e atualizadas sobre a previsão legal, a finalidade, os procedimentos e as práticas utilizadas para a execução dessas atividades, em veículos de fácil acesso, preferencialmente em seus sites; e seja indicado um encarregado quando realizarem operações de tratamento de dados pessoais, nos termos do artigo 39 [6] da lei em comento.
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(1) Receita Federal Analisa as informações das redes sociais disponível em: http://receita.economia.gov.br/noticias/ascom/2017/marco/receita-federal-analisa-as-informacoes-de-redes-sociais
(2) Exemplos nomeados pela autora porém extraídos do site Receita Federal disponível em : http://receita.economia.gov.br/noticias/ascom/2017/marco/receita-federal-analisa-as-informacoes-de-redes-sociais
(3) Fonte: Gazeta Online disponível em https://canaltech.com.br/redes-sociais/receita-federal-monitora-as-redes-sociais-para-evitar-sonegacao-de-imposto-59405/
LGPD – Art. 7º O tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hipóteses: § 4º É dispensada a exigência do consentimento previsto no caput deste artigo para os dados tornados manifestamente públicos pelo titular, resguardados os direitos do titular e os princípios previstos nesta Lei.
(4) Lei Geral de Proteção de dados – 13.709/2018 e MP 869.18 disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13709.htm
LGPD -art. 39. O operador deverá realizar o tratamento segundo as instruções fornecidas pelo controlador, que verificará a observância das próprias instruções e das normas sobre a matéria.
Autora do texto: Valéria Reani – Advogada, Mestranda em Direito, Especialista em Privacidade de Dados Pessoais; Especialista em Direito Digital e Compliance; Coordenadora e Professora da Escola Superior de Advocacia Campinas, Santos e Santo André e Diretora Jurídica da empresa InternEthic Brasil
Publicação: JOTA.
COMENTÁRIO DE OMAR AUGUSTO LEITE MELO: essa investigação a partir de dados disponibilizados nas redes sociais pelos próprios contribuintes (ou de seus parentes e amigos) também serve para a Administração Tributária Municipal. Exemplos: fiscalização do Simples Nacional e do ISS, responsabilidade de sócios "ocultos", contribuinte de IPTU, penhora de bens, pedidos de medidas coercitivas do art. 139, IV, CPC/2015 etc.