A desconsideração da personalidade jurídica, com a consequente invasão no patrimônio de seus diretores, gerentes ou representantes para fins de satisfação de débitos fiscais da empresa, cujos nomes não figuram como réus no processo promovido pela Fazenda Pública exequente, é medida de caráter excepcional (STJ AgR-AREsp 42.985). O redirecionamento, isto é, a utilização da via executiva para atingir bens de terceiras pessoas que não foram inicialmente indicadas como réus[1], faz-se possível nos casos em que ficar demonstrada a prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou de infração a lei, contrato social ou estatutos[2] (STJ AgR-AREsp 128.924), mesmo em se tratando de débitos para com a seguridade social (STJ REsp 717.717), não importando se a demanda executiva foi proposta contra a pessoa jurídica e contra os responsáveis secundários ou somente contra a empresa, na medida em que a Certidão de Dívida Ativa (CDA) goza de presunção relativa de liquidez e certeza, o que implica transferir ao sócio, nela incluído, o ônus de demonstrar a ausência de responsabilidade tributária (STJ AgR-AREsp 189.594).
Também é viável o redirecionamento da execução fiscal na hipótese de dissolução irregular da sociedade (STJ AgR-REsp 1.368.205), cabendo a cada sócio a quem foi redirecionada a execução a prova da regularidade do encerramento da empresa, o que deverá ocorrer por meio da oposição de embargos à execução e não pela via da exceção de pré-executividade (STJ AgR-REsp 561.854). Conquanto fato autorizador do redirecionamento da execução fiscal, à luz do verbete 435 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça[3], a presunção de dissolução irregular da sociedade empresária, não serve para alcançar ex-sócios, que não mais compunham o quadro social à época da dissolução irregular e que não constam como corresponsáveis da CDA, salvo se comprovada sua responsabilidade, nos termos do artigo 135, caput, do Código Tributário Nacional[4] (STJ REsp 824.503). O redirecionamento deverá ser feito contra o sócio-gerente ou o administrador contemporâneo à ocorrência da dissolução (STJ EAg 1.105.993).
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento de que os indícios que atestem ter a empresa encerrado irregularmente suas atividades, como certidão do oficial de Justiça, que atesta que a empresa devedora não mais funciona no endereço constante dos assentamentos da junta comercial, são considerados suficientes para o redirecionamento da execução fiscal[5] (STJ AgR-REsp 851.564), gerando presunção iuris tantum de dissolução irregular[6], de modo a tornar possível, assim, a responsabilização do sócio-gerente, a quem caberá o ônus de provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder (STJ AgR-AREsp 257.631). Há entendimento minoritário, contudo, no sentido de que a não localização da empresa no endereço fiscal, por si só e independente de qualquer outro elemento, não seria bastante para o pronto redirecionamento da execução fiscal, que dependeria de prévia apuração das razões pelas quais tal fato ocorreu, bem como da comprovação, a cargo do credor, no caso a Fazenda Pública, do elemento subjetivo na conduta ilícita do sócio (STJ AgR-AREsp 16.808).
Verificada a inexistência de dolo dos sócios na administração da empresa, impossível o redirecionamento do executivo fiscal (STJ AgR-AREsp 172.623). O simples inadimplemento da obrigação tributária igualmente não caracteriza infração legal para fins de responsabilização do sócio-gerente, sendo necessária a comprovação da prática de excesso de poder ou de infração à lei[7](STJ REsp 1.101.728). Incabível também o redirecionamento da execução fiscal relativamente às contribuições do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), por não apresentarem natureza tributária (STJ AgR-AREsp 64.749). Por outro lado, não versando a hipótese sobre o redirecionamento da execução fiscal contra o sócio administrador da empresa, em razão de dissolução irregular, mas sim decorrente da possível sucessão empresarial, fica o cessionário responsável integralmente pelas dívidas da sociedade, devendo ser excluído da CDA o nome do sócio-gerente que se retirou da sociedade (STJ EDcl-AgR-REsp 1.285.121). O redirecionamento da execução, incluindo no polo passivo da relação processual empresa sucessora, pode ser afastado pela impugnação prevista em lei própria ou em exceção de pré-executividade acaso não haja necessidade de dilação probatória. O mandado de segurança somente se mostra admissível em hipóteses excepcionalíssimas em que a decisão seja visivelmente teratológica (STJ RMS 38.721).
Não se discute a possibilidade de se redirecionar a execução fiscal, independentemente de qualquer prova, quando o nome do sócio constar como corresponsável na CDA, dada a presunção de legitimidade do título executivo extrajudicial (STJ REsp 1.104.900). É incumbência do corresponsável provar, mediante embargos à execução, a não ocorrência da prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (STJ REsp 1.104.900). A inversão do ônus é justificada, aqui, por já ter sido dada a oportunidade de defesa ao particular durante o processo administrativo fiscal que culminou no lançamento do tributo.
É diferente a situação quando o nome do responsável tributário não figura na certidão de dívida ativa. Nesses casos, embora configurada a legitimidade passiva, caberá à Fazenda exequente, ao promover a ação ou ao requerer o seu redirecionamento, indicar a situação configuradora da responsabilidade subsidiária[8] (STJ AgR-REsp 643.918). O pedido de inclusão do corresponsável indicado para figurar no polo passivo da execução fiscal, condiciona-se, ademais, à apresentação dos documentos comprobatórios de que exercia cargo de gestão na época em que ocorreu o fato gerador do crédito exequendo. Não é indispensável, para a citação, que conste, da inscrição da dívida, o nome do sócio que responda solidariamente pelo débito da sociedade (STF RE 111.765), mas é insuficiente para evidenciar a responsabilidade tributária fazer constar dela constar tão somente a expressão de “corresponsável”, sem esclarecer em que condição responde pela sociedade (STJ REsp 621.900).
Em suma, o redirecionamento visando a responsabilização pessoal, do sócio, nas dívidas fiscais da empresa, deve ser solucionado de acordo com uma duas hipóteses, a seguir elencadas: i) se a CDA não traz o nome do sócio, a pretensão de responsabilizá-lo, pessoalmente, demanda prova a cargo da Fazenda Pública de que incorreu ele em uma das hipóteses previstas no artigo 135, do Código Tributário Nacional; ii) se o nome do sócio vem impresso na CDA, na qualidade de coobrigado, essa circunstância que inverte o ônus probatório, uma vez que a certidão é dotada de presunção de liquidez e certeza. Essa orientação não se altera pelo fato de a pessoa jurídica executada ter sido regularmente extinta por processo falimentar[9] (STJ REsp 945.090 e STJ EDcl-AgR-AgR-REsp 1.104.109).
Se a ação executiva tiver sido ajuizada contra empresa cuja decretação de falência ocorrera antes da inscrição em dívida ativa, o simples fato de não ter sido incluído ao lado do nome da executada o complemento “massa falida” não gera nulidade nem impõe a extinção do feito por ilegitimidade passiva. Trata-se de mera irregularidade formal, passível de saneamento até mesmo de ofício pelo juízo da execução. A massa falida não é pessoa diversa da empresa contra a qual foi decretada a falência, não havendo falar-se em redirecionamento nem mesmo em substituição da CDA (STJ REsp 1.359.041).
Com efeito, a Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa até a decisão de primeira instância, ou seja, desde o instante em que a petição inicial da execução é submetida ao despacho inicial do juiz, até a prolação da sentença que decidir os embargos eventualmente opostos (STJ REsp 272.238), mas tão somente quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução, nos termos do verbete 392 da Súmula do Superior. Constatado o vício formal por ocasião do exame dos embargos, extingue-se a execução (STJ REsp 365.469).
A substituição da CDA não é permitida em casos que impliquem alteração do próprio lançamento (STJ REsp 826.927). É inadmissível, assim, a substituição de certidão referente à cobrança de IPTU e taxas lançados sobre área a maior, com consequente alteração do valor do débito. A sub-rogação a que se refere o artigo 130 do Código Tributário Nacional, segundo o qual “os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação”, somente opera quando a execução é ajuizada contra o próprio adquirente, pois ele é o responsável tributário. Sendo-o contra o transmitente, não é cabível, dentro dos autos, corrigir a ilegitimidade passiva para trazer a parte legítima — o adquirente — à relação processual (STJ REsp 87.768). Por outro lado, é possível a alteração do valor constante na CDA, sem necessidade de emenda ou de sua substituição, quando configurado o excesso de execução, desde que a operação importe meros cálculos aritméticos (STJ REsp 1.115.501).
A ação iniciada contra devedor, com citação válida, também pode ser redirecionada ao espólio se a morte ocorrer durante o processo de execução. Mas se a morte antecede a propositura da ação, não se pode falar em substituição da CDA, devendo o processo ser extinto, por ilegitimidade passiva da parte (STJ REsp 1.222.561).
Sobre os limites temporais para a ação da Fazenda Pública na hipótese de redirecionamento da execução fiscal, há dois posicionamentos: para uma primeira corrente, a citação dos sócios deverá ser realizada até cinco anos a contar da citação da empresa executada (STJ AgR-EDcl-EDcl-Ag 902.817), sendo inaplicável o disposto no artigo 40 da Lei 6.830/1980[10], que, além de referir-se ao devedor, e não ao responsável tributário (STJ REsp 205.887), deve harmonizar-se com o disposto no artigo 174 do Código Tributário Nacional[11], de modo a não tornar imprescritível a pretensão de cobrança da dívida fiscal[12] (STJ REsp 1.090.958); para uma segunda corrente, se a situação que deu ensejo ao redirecionamento por dissolução irregular somente ocorreu depois do quinquênio, não é possível exigir que a citação do co-responsável se dê dentro do prazo de cinco anos sem se atentar para hipóteses como a suspensão e interrupção da prescrição previstas no Código Tributário Nacional, o comportamento do executado, a prática de atos pelo exequente que afastam a sua inércia ou a indicação de que o retardamento se deu por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça[13](STJ REsp 1.095.687). A controvérsia está sendo examinada no âmbito da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ REsp 1.201.993).
Em sede de medida cautelar fiscal preparatória, impõe-se reconhecer a perda de eficácia da liminar que decreta a indisponibilidade dos bens dos sócios, em relação à execução fiscal proposta inicialmente apenas contra a pessoa jurídica, em que não foi formulado pedido de redirecionamento no prazo de 60 dias, previsto no artigo 13, inciso I, da Lei 8.390⁄1992. (STJ REsp 1.222.634). Após o regular redirecionamento, é plenamente viável a constrição dos seus bens, nos termos da lei (STJ AgRg-Rcl 6.378).
[1] Cf. ZACARIAS, Ester dos Santos. Apuração do Incidente de Responsabilidade Tributária no Âmbito do Processo Administrativo Fiscal. 2008. Monografia apresentada ao Curso de Aperfeiçoamento/Especialização em Gestão Tributária da Universidade de Brasília. p. 36.
[2] Não é necessário que a prova do excesso de poderes ou da infração à lei, contrato social ou estatutos seja produzida nos autos do processo de execução ajuizado contra a empresa. Pode o credor identificar uma dessas circunstâncias antes de proposta a ação contra pessoa jurídica e, desde já, ajuizar a execução contra o responsável tributário, , uma vez que sua responsabilidade é pessoal. Em outros dizeres, não é obrigatório que haja redirecionamento, podendo o executivo fiscal ser proposto diretamente contra o responsável, desde que a Fazenda Pública exequente tenha provas de sua responsabilidade (STJ 975.691). O redirecionamento, por outro lado, não exige prévia comprovação inequívoca da responsabilidade tributária, mas apenas início de prova dela (STJ REsp 971.305).
[3] Tem este teor o verbete 435 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.
[4] Cf. a seguinte assertiva, considerada errada pelo gabarito definitivo da prova objetiva seletiva do concurso para provimento do cargo inicial da magistratura do Estado do Rio Grande do Sul (2012): “O sócio que não exerce a gerência da sociedade pode ser responsabilizado pelos débitos fiscais até a sua saída da empresa, com a baixa na Junta Comercial”.
[5] Cf. a seguinte assertiva, considerada certa pelo gabarito definitivo da prova objetiva seletiva do concurso para provimento do cargo inicial da magistratura do Estado do Rio Grande do Sul (2012): “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar em seu domicílio fiscal sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para seu sócio-gerente”.
[6] Cf. a seguinte assertiva, considerada certa pelo gabarito definitivo da prova objetiva seletiva do 14º concurso público para provimento de cargos de Juiz Federal Substituto do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (2010): “A simples falta de comunicação de mudança de domicílio fiscal às autoridades competentes legitima o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.
[7] Cf. a seguinte assertiva, considerada errada pelo gabarito definitivo da prova objetiva seletiva do 14º concurso público para provimento de cargos de Juiz Federal Substituto do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (2010): “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”. No mesmo concurso, também foi considerada errada a seguinte afirmação: “O descumprimento de obrigação acessória já é suficiente para responsabilização do sócio-gerente pelo pagamento da obrigação principal”.
[8] Cf. a seguinte assertiva, considerada certa pelo gabarito definitivo da prova objetiva seletiva do concurso para provimento do cargo inicial da magistratura do Estado do Rio Grande do Sul (2012): “Mesmo não constando o nome do sócio na certidão de dívida ativa (CDA), pode a execução fiscal ser contra ele direcionada, no caso de dissolução irregular da sociedade”.
[9] Em qualquer espécie de sociedade comercial, é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Com a quebra, a massa falida responde pelas obrigações a cargo da pessoa jurídica até o encerramento da falência, só estando autorizado o redirecionamento da execução fiscal caso fique demonstrada a prática pelo sócio de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou de infração a lei, contrato social ou estatutos (STJ AgR-AREsp 128.924). A pessoa jurídica já dissolvida pela decretação da falência só é extinta depois de promovido o cancelamento de sua inscrição perante o ofício competente. (STJ REsp 1.359.273).
[10] Nos termos do mencionado preceito, “o juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição”.
[11] Eis a redação do artigo 174 do Código Tributário Nacional: “A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva”.
[12] Segundo esse raciocínio, a teoria da actio nata não implica que a prescrição quanto aos sócios só terá início a partir do deferimento do pedido de redirecionamento da execução fiscal (STJ REsp 975.691). Desta sorte, não obstante a citação válida da pessoa jurídica interrompa a prescrição em relação aos responsáveis solidários, decorridos mais de 5 anos após a citação da empresa, ocorre a prescrição intercorrente, inclusive para os sócios (STJ AgR-REsp 1.202.195).
[13] De acordo com essa compreensão, a citação da pessoa jurídica não constitui o termo a quo para o redirecionamento do executivo fiscal. A ocorrência da prescrição deve ser verificada caso a caso, observando-se, em um primeiro momento, a existência ou não da prescrição em relação ao devedor principal e, sucessivamente, identificando-se o momento em que houve inércia imputável à exequente para, a partir daí, ser contado o prazo quinquenal.
Por Aldo de Campos Costa: exerce o cargo de assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal. Foi professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
COMENTÁRIO DE OMAR AUGUSTO LEITE MELO: excelente texto, seja pela sua objetividade, como pela fundamentação jurisprudencial. Com certeza, vale a pena ler e reler este artigo!