Caso a Justiça julgue as ações populares e decida contra as empresas, elas teriam que pagar os tributos cobrados, com correção pela Selic, o que multiplicaria os valores em discussão. Advogados que já preparam suas defesas dizem que representantes das empresas estão perplexos. Em razão dessas ações, as sessões de ontem de turmas ordinárias do Carf foram suspensas. Outras só julgaram processos de pouca relevância financeira. Para o conselheiro e advogado tributarista Sérgio Presta, porém, o questionamento "absurdo" das decisões do Carf não causará risco para as empresas no mercado.
Além do paradigmático processo do Santander, outra das dezenas de ações populares questiona a vitória da Petrobras em julgamento do 1º Conselho de Contribuintes sobre a cobrança de R$ 475 milhões em tributos federais. O auto teria sido lavrado em razão de dados encontrados em Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) da empresa, de 2003. No caso da Gerdau, a companhia conseguiu cancelar uma cobrança de cerca de R$ 700 milhões pelo uso do ágio, gerado por reestruturações societárias que envolveram oito empresas do grupo e abateram o IR e a CSLL a pagar. Procurada, a Gerdau informou que não se manifesta sobre processos em andamento. "O conselho observou os devidos trâmites legais", afirmou a Petrobras por nota.
As ações populares foram propostas pela advogada Fernanda Soratto Uliano Rangel, casada com o ex-procurador da Fazenda Nacional Renato Chagas Rangel. Ela é representada nas ações pelo marido e pelo advogado José Renato Rangel, também da família. Em 2010, o ex-procurador foi exonerado do cargo "pela prática de atos de improbidade administrativa e por valer-se do cargo para lograr proveito pessoal, em detrimento da dignidade da função pública", segundo texto da Portaria nº 67 da Advocacia-Geral da União (AGU).
Segundo José Renato, o litígio envolvendo o ex-procurador e a administração pública ainda está em andamento "e é matéria absolutamente estranha às contendas judiciais visando atacar as decisões do Carf". Segundo ele, o objetivo é incitar a propositura desse tipo de ação popular por advogados de todo o país. Para eles, "não é aceitável que um colegiado administrativo, sem qualquer das garantias da magistratura, tenha o poder de isentar empresas do pagamento de bilhões de reais, em afronta ao entendimento consolidado do Poder Judiciário sobre questões específicas de direito tributário". Eles alegam lesão ao patrimônio público no processo.
Ações populares, segundo a Constituição Federal, podem ser propostas por qualquer cidadão para "anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural". Apesar dessa legitimidade, advogados que já foram intimados para apresentar a defesa das empresas afirmam que tudo parece se tratar de uma "aventura jurídica", "sede de vingança" ou de uma espécie de "indústria de honorários". O autor que perde a discussão travada por meio de ações populares, está isento do pagamento das custas judiciais e dos honorários. Mas recebe os honorários se vencer. A exceção ocorre apenas nos casos em que for comprovada a má-fé.
Atuando em alguns dos processos questionados pelo ex-procurador, a advogada Mary Elbe Queiroz, do escritório Queiroz Advogados Associados, defende a legalidade das decisões do Carf. "Trata-se de um órgão sério, composto por conselheiros [auditores e tributaristas] da mais alta competência e respeitabilidade", afirma. "Além disso, geralmente, a visão do conselho até costuma ser mais fiscalista do que a favor do contribuinte", diz.
O advogado que representa o Santander no processo administrativo sobre ágio, Roberto Quiroga, do escritório Mattos Filho Advogados, não opina sobre ações em andamento, mas acredita na vitória. "O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que, em matéria tributária, o Carf é a última instância e, assim, o mérito das suas decisões não pode ser questionado no Judiciário". Ele se refere ao julgamento da Corte, em 2003, pelo qual a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) tentou anular julgamentos definitivos do conselho, que livravam o CCF Fundo de Pensão e a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ) da exigência do IR.
Além de apontar a competência do Carf nas suas defesas, as empresas alegam que a lesão ao erário é um argumento que não pode ser usado sem ter ocorrido um grave erro de forma. Se o processo não tiver sido colocado em pauta, por exemplo. "Além disso, ainda cabe recurso em relação a várias dessas decisões, que não são da Câmara Superior", afirma o advogado Luiz Paulo Romano, do Pinheiro Neto Advogados.
Fonte: Valor Econômico, Laura Ignacio - De São Paulo
COMENTÁRIO DE OMAR AUGUSTO LEITE MELO: realmente, trata-se de uma discussão processual bastante interessante acerca do cabimento, ou não, de ação popular contra decisão de um órgão julgador administrativo (inclusive municipal) que tenha sido dado em favor do contribuinte. Com certeza, esse tipo de demanda pode gerar o abuso dessas ações populares, diante da tentativa do advogado ganhar os seus honorários advocatícios. Aliás, a notícia foi para esse lado. Mas, é claro, também seria um mecanismo de controle externo da sociedade (dos cidadãos) em torno desses órgãos julgadores. Particularmente, entendo que, neste caso, a ação popular somente pode ter cabimento na hipótese de decisões teratológicas, ou quando for alegado que as decisões foram “compradas”. Agora, esse tipo de controle já costuma ser feito pelas procuradorias, pelo menos nos âmbitos federal e estaduais. Os Municípios também devem ter esse tipo de controle.