FRANCISCO MANGIERI:
Portanto, a partir de agora há segurança jurídica total para que os municípios alterem a tributação do segmento, não mais admitindo a dedução de materiais da base de cálculo do ISS.
Assim, materiais adquiridos de terceiros e os produzidos no local da obra, devem integrar a base imponível do imposto.
Excluem-se apenas as mercadorias produzidas pelo prestador fora do canteiro de obras, isto é, os bens que tenham como destino a mercancia e não uma única obra.
Quer dizer: só poderão ser deduzidos da base de cálculo do ISS os bens produzidos para o mercado em geral e aplicados em determinada obra. A contrario sensu, se um bem foi produzido especificamente para uma construção, não será mercadoria e, dessa forma, não poderá ser excluído da tributação.
Lembramos ainda que é muito importante os municípios explorarem ao máximo o seu potencial arrecadatório, não só pelas demandas da sociedade e pelos ditames da LRF (LC nº 101/2000), mas agora também pela novel REFORMA TRIBUTÁRIA (EC nº 132/2023), que estabeleceu como critério de repartição do IBS a média de arrecadação do ISS nos próximos anos.
Destarte, a mudança é medida que se impõe! Não se trata, pois, de ato discricionário do Poder Público.
Segue a última decisão do STJ sobre a matéria (de 15 de dezembro/2023):
"PROCESSO
AREsp 2417688
RELATOR(A)
Ministro HERMAN BENJAMIN (DA 2ª TURMA DO STJ)
DATA DA PUBLICAÇÃO
DJ 15/12/2023
DECISÃO
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2417688 - SC (2023/0247275-8)
DECISÃO
Trata-se de Agravo de decisão que inadmitiu Recurso Especial (art. 105, III, "c", da CF) interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina cuja ementa é a seguinte (fl. 776, e-STJ):
APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. ISS. AÇÃO DECLARATÓRIA. BASE DE CÁLCULO. CONSTRUÇÃO CIVIL. MATERIAIS EMPREGADOS NA OBRA. EXCLUSÃO DEVIDA. INSURGÊNCIA DO MUNICÍPIO. TESE AFASTADA. SENTENÇA MANTIDA, EIS QUE ADOTA ENTENDIMENTO ASSENTE NA JURISPRUDÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.
A questão em debate nos autos foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal que, ao julgar o RE 603.497 RG/MG, de relatoria da Min. Ellen Gracie, em 05-02-2010, reconheceu a existência de repercussão geral da matéria e firmou o entendimento de que é possível a dedução da base de cálculo do ISS dos materiais empregados na construção civil.
Amparado no entendimento que a Corte Constitucional já tinha sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça se posicionou pela irrelevância, para fins de dedução da base de cálculo do tributo, da distinção entre os materiais produzidos pelo próprio prestador do serviço e aqueles adquiridos de terceiros, posicionamento também consolidado neste e. Tribunal de Justiça. (TJSC, Apelação n. 5007406-11.2019.8.24.0023, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Vera Lúcia Ferreira Copetti, Quarta Câmara de Direito Público, j. 08-09-2022).
A parte agravante, nas razões do Recurso Especial, alega que ocorreu divergência jurisprudencial. Sustenta, em suma, que, "com o julgamento definitivo do RE 603497, o STF alterou seu posicionamento, entendendo pela constitucionalidade da interpretação restritiva do STJ em relação ao artigo 9º, § 2º, alínea "a", do DL 406/1968" (fl. 793, e-STJ). Entende que "os materiais utilizados nas obras de engenharia civil não devem ser deduzidos da base de cálculo do ISS" (fl. 794, e-STJ).
Contrarrazões apresentadas às fls. 821-828, e-STJ.
Inadmitiu-se a irresignação (fls. 831-837, e-STJ), o que ensejou a interposição do Agravo de fls. 845-849, e-STJ.
Contraminuta às fls. 853-858, e-STJ.
É o relatório.
Decido.
Os autos foram recebidos neste Gabinete em 24.10.2023.
Assiste razão à parte recorrente.
Consoante o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, apenas materiais empregados nas obras de construção civil produzidos fora do local da obra, sobre os quais incide ICMS, podem ser excluídos da base de cálculo do ISSQN. Nesse sentido:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA, CONSTRUÇÃO CIVIL. MATERIAL EMPREGADO. RECEPÇÃO DO ART. 9º, § 2º, A, DO DECRETO LEI N. 406/1968. CONSTITUCIONALIDADE. TEMA N. 247/STF. SEGUIMENTO NEGADO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (...)
Conforme o precedente vinculante: "A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, reafirmada na decisão agravada, circunscreve-se a asseverar recepcionado, pela Carta de 1988, o art. 9º, § 2º, a, do DL 406/1968, sem, contudo, estabelecer interpretação sobre o seu alcance nem analisar sua subsistência frente à legislação que lhe sucedeu - em especial, a LC 116/2003 -, tarefas de competência do Superior Tribunal de Justiça". Além disso: "O acórdão do Superior Tribunal de Justiça, objeto do recurso extraordinário, não destoou da jurisprudência desta Suprema Corte, porque, sem contrariar a premissa de que o art. 9º, § 2º, a, do DL 406/1968 foi recepcionado pela atual ordem constitucional, e considerada, ainda, a superveniência do art. 7º, § 2º, I, da LC 116/2003, restringiu-se a delimitar a interpretação dos referidos preceitos infraconstitucionais, para concluir pela ausência, na espécie, dos requisitos para a dedução, da base de cálculo do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), de materiais utilizados no fornecimento de concreto, por empreitada, para construção civil". (...)
Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no RE nos EDcl no REsp 1.166.703/MG, Rel. Ministro Og Fernandes, Corte Especial, DJe 25/8/2023; grifos acrescidos) TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ISSQN. CONSTRUÇÃO CIVIL. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO ISSQN DE MATERIAIS PRODUZIDOS NO LOCAL DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS OU ADQUIRIDOS DE TERCEIROS. IMPOSSIBILIDADE. NOVEL ORIENTAÇÃO FIRMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO RE 603.497/MG (TEMA 247), RELATORA MINISTRA ROSA WEBER (DJE 13/8/2020). AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NA ORIGEM, DE QUE OS VALORES DESCRITOS NA CDA REFEREM-SE À INCLUSÃO DOS MATERIAIS UTILIZADOS NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. PROVIMENTO NEGADO.
O Supremo Tribunal Federal, no primeiro julgamento do Recurso Extraordinário 603.497/MG, sob a sistemática da repercussão geral (Tema 247), concluiu pela "possibilidade da dedução da base de cálculo do ISS dos materiais empregados na construção civil" (RE 603.497/MG, relatora Ministra Ellen Gracie, DJe 7/5/2010).
Alinhando-se a essa decisão vinculativa da Suprema Corte, o Superior Tribunal de Justiça passou a reconhecer a legalidade da dedução do custo dos materiais empregados na construção civil da base de cálculo do imposto municipal, como se depreende dos seguintes julgados: EDcl no AgRg no REsp 1.557.058/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 21/8/2018, DJe de 27/8/2018; REsp 1.678.847/MS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 21/9/2017, DJe de 9/10/2017.
Contudo, recentemente, o Pleno do Supremo Tribunal Federal reapreciou o Recurso Extraordinário 603.497/MG, sob a relatoria da Ministra Rosa Weber, para explicitar a legitimidade da interpretação conferida por essa Corte Superior ao art. 9º, § 2º, do Decreto-Lei 406/1968, que, apesar de restritiva, não negou a premissa de recepção do dispositivo legal pela Constituição Federal.
Seguindo a novel orientação da Suprema Corte, prevaleceu na Primeira Seção deste Tribunal Superior a tese de que a dedutibilidade da base de cálculo do ISSQN não abrange os materiais que são produzidos no local da prestação de serviços ou adquiridos de terceiros e empregados na construção civil. Precedentes: REsp 1.916.376/RS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 18/4/2023; AgInt no AREsp 1.620.140/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 21/9/2020, DJe de 1º/10/2020; AgInt no AREsp 1.892.536/RJ, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 19/10/2021, DJe de 25/10/2021.
Na hipótese dos autos, da leitura da sentença de improcedência (fls. 121/128) e do acórdão que negou provimento ao recurso apelatório (fls. 162/172), fica claro que a parte recorrente pretende deduzir da base de cálculo do ISSQN os materiais produzidos pelo prestador dentro do local de prestação dos serviços, o que contraria a jurisprudência desta Corte Superior e o decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 604.497/MG sob a sistemática da repercussão geral.
Ainda que se entenda que a pretensão engloba também a dedução das mercadorias produzidas pelo próprio prestador fora do local da realização dos serviços, é inviável o acolhimento da pretensão recursal, porque o Tribunal de origem reconheceu a ausência de comprovação de que os valores descritos na CDA referem-se a materiais utilizados na prestação de serviço de construção civil.
Entendimento diverso, conforme pretendido, implicaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos, circunstância que redundaria na formação de novo juízo acerca dos fatos e provas, e não na valoração dos critérios jurídicos concernentes à utilização da prova e à formação da convicção, o que impede o conhecimento do recurso especial quanto ao ponto. Sendo assim, incide no presente caso a Súmula 7 do STJ, segundo a qual "a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".
O argumento de que a delimitação dos valores dos materiais de construção poderia ser feita em liquidação de sentença não foi apreciado pelo Tribunal de origem, tampouco foram opostos embargos de declaração com o objetivo de sanar eventual omissão da questão de direito controvertida.
A ausência de enfrentamento pelo Tribunal de origem da matéria impugnada, objeto do recurso excepcional, impede o acesso à instância especial porquanto não preenchido o requisito constitucional do prequestionamento. Incidência, por analogia, das Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal.
Agravo interno a que se nega provimento. Majoração dos honorários sucumbenciais em desfavor da parte agravante em 10% (dez por cento) do valor já arbitrado, nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, observados, se aplicáveis, os limites percentuais previstos nos §§ 2º e 3º do dispositivo. (AgInt no AREsp 1.548.130/SP, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, DJe 22/6/2023) PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ACÓRDÃO COMBATIDO. DECISÃO SURPRESA. INEXISTÊNCIA. ISS. BASE DE CÁLCULO. SERVIÇO DE CONCRETAGEM. DEDUÇÃO DOS MATERIAS EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE.
A valoração jurídica diversa, calcada nos fatos da causa, dada pelo magistrado à atividade empresarial da contribuinte não caracteriza decisão surpresa que justifique a anulação do julgado.
Esta Corte Superior há muito consolidou o entendimento de que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço de construção civil contratado, não sendo possível deduzir os materiais empregados, salvo se produzidos pelo prestador fora do local da obra e por ele destacadamente comercializados com a incidência do ICMS. Precedentes.
O Supremo Tribunal Federal, ao proferir o primeiro julgamento do RE 603.497/MG (Tema 247 do STF), em 31/08/2010 (DJ 16/09/2010), decidiu reformar acórdão do STJ com fundamento no entendimento do Pretório Excelso sobre a "possibilidade de dedução da base de cálculo do ISS dos materiais empregados na construção civil".
A partir desse momento, esta Corte Superior, buscando alinhar a sua jurisprudência à referida decisão da Suprema Corte, começou a decidir naquele mesmo sentido, como se observa, a título de exemplo, no AgRg nos EAREsp n. 113.482/SC, relatora Ministra Diva Malerbi (Desembargadora Convocada TRF 3ª Região), Primeira Seção, julgado em 27/2/2013, DJe de 12/3/2013.
Entretanto, mais recentemente, em 03/07/2020 (publicação da ata de julgamento em 13/07/2020), nos mesmos autos do RE 603.497/MG, o STF deu parcial provimento a agravo interno para, reafirmando a tese de recepção do art. 9º, § 2º, do DL n. 406/1968 pela Constituição de 1988, assentar que a aplicação dessa tese naquele caso concreto não ensejou reforma do acórdão do STJ, ficando evidenciada, no referido julgamento, a intenção do Pretório Excelso de preservar a orientação jurisprudencial que o Superior Tribunal de Justiça sedimentou no âmbito infraconstitucional acerca da impossibilidade de dedução dos materiais empregados da base de cálculo do ISS incidente sobre serviço de construção civil.
Diante desse último pronunciamento da Suprema Corte no julgamento do seu Tema 247, há de voltar a s er prestigiada a vetusta jurisprudência do STJ sobre o tema.
Hipótese em que a parte autora nem sequer alegou, muito menos comprovou, que comercializou de forma apartada os materiais empregados nos serviços de concretagem e submeteu o valor deles à tributação pelo ICMS, de modo que não faz jus à pretendida dedução da base de cálculo de ISS.
Recurso especial desprovido. (REsp 1.916.376/RS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 18/4/2023) Na mesma linha: AREsp 2.388.292/CE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 22/9/2023; REsp 2.094.294/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 8/9/2023; e REsp 2.088.933/RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, DJe 4/9/2023.
In casu, verifica-se que o acórdão impugnado inobservou a exegese da legislação federal, conforme acima definido, motivo pelo qual merece acolhida a irresignação. Com efeito, o provimento da pretensão recursal acarreta a necessidade de devolução dos autos à origem, para que nova decisão seja proferida, respeitadas as premissas acima estabelecidas à luz da jurisprudência supra.
Diante do exposto, conheço do Agravo para dar parcial provimento ao Recurso Especial, determinando a devolução dos autos à origem.
Publique-se.
Intimem-se.
Brasília, 13 de dezembro de 2023.
Ministro Herman Benjamin
Relator"