Com efeito, neste recurso, uma empresa prestadora de serviços de manutenção de máquinas (subitem 14.01 da Lista), logo, sujeita à regra do artigo 3º da LC 116/2003 (local de ocorrência = local do estabelecimento prestador) pretendeu afastar a cobrança do ISS pelo município mineiro de Rio Acima.
Esta empresa tem sede em Belo Horizonte, mas prestou serviços naquele outro município, onde não há nenhum estabelecimento “formalizado”, conforme as alegações recursais do próprio contribuinte.
Tanto o Tribunal de Justiça Mineiro como o Superior Tribunal de Justiça deram ganho de causa ao Município de Rio Acima, ao entender que essa empresa tinha, sim, uma unidade econômica e profissional naquele município, ainda que a sua sede fosse Belo Horizonte ou não estivesse formalizado o seu estabelecimento prestador em Rio Acima.
Para chegar a esta conclusão, os tribunais levaram em conta o contrato celebrado entre o contribuinte e seu cliente, que provaram os seguintes fatos:
“No presente caso, conforme contrato juntado pela autora às fls. 23⁄32, verifico que a consignante foi contratada para prestar serviços de supervisão de manutenção de equipamento na sede da contratante pelo período de 12 meses. Prevê ainda o referido contrato, entre outras obrigações, que a contratada deve manter equipe no local do trabalho, durante horário administrativo, por cinco dias da semana, para exercer o serviço contratado” (trecho extraído do voto do ministro relator).
Realmente, esse contrato escancara a existência de uma unidade econômica e profissional no Município de Rio Acima: prazo longo de doze meses de prestação de serviços e a obrigação da empresa manter uma “equipe” (profissionais) no local do trabalho de segunda a sexta-feira. Na minha opinião, esses fatos atendem totalmente o disposto no artigo 4º da LC 116/2003.
Ao analisar esse acórdão do STJ, além de outros proferidos por este tribunal superior, entendo que a definição do local de ocorrência (na verdade, a definição do “estabelecimento prestador”) passa pelas seguintes perguntas ou fluxograma, na hipótese do serviço não estar listado nas exceções do artigo 3º da LC 116/2003:
- o serviço foi executado fora do município onde a empresa tem a sua sede ou qualquer estabelecimento devidamente formalizado (matriz/filial)?
- NÃO: nenhum problema, pois não interessa saber se o estabelecimento prestador é o mesmo que a sede da empresa. O município será o mesmo.
- SIM: aqui surge a necessidade de saber qual o Município competente para a cobrança do ISS; dito de outro modo, passa a ser relevante compreender onde está o “estabelecimento prestador” daquele serviço em questão. Nesta hipótese, precisamos passar pelas próximas questões.
- no Município onde o serviço foi “perfectibilizado” (RESP nº 1.060.210, item 6 da ementa), ou seja, no Município onde o serviço foi entregue/finalizado/executado, o contribuinte possui uma “unidade profissional ou econômica? Note-se que o “ponto de partida” é o local onde o serviço foi realizado, e não onde está a sede ou qualquer estabelecimento formalizado do contribuinte.
- NÃO: o imposto será devido, então, no Município onde o contribuinte tiver a sua sede, e não no local onde o serviço foi executado (perfectibilizado). Como o contribuinte não tem uma unidade econômica ou profissional no local da prestação do serviço, o estabelecimento prestador fica sendo a sua sede ou um de seus estabelecimentos devidamente formalizados.
- SIM: a competência do ISS é atraída para o local da execução dos serviços, saindo da sede do contribuinte. Portanto, torna-se absolutamente relevante conhecer o que é “estabelecimento prestador” ou “unidade econômica ou profissional”, devendo ser aplicado o artigo 4º da LC 116/2003 e a jurisprudência que o STJ vem “construindo” casuisticamente.
Para fixar tais premissas ora propostas, vale a pena exercitarmos com alguns exemplos.
Exemplo 1: empresa de cursos com sede em Bauru/SP realiza um curso na cidade de Campinas/SP.
Esta informação, a princípio, é insuficiente para definirmos o Município competente.
A primeira pergunta que surge é a seguinte, levando em conta que estamos lidando com dois municípios diferentes: lá em Campinas, onde o serviço foi realizado (perfectibilizado), essa empresa tem um “estabelecimento prestador” ou “unidade econômica ou profissional”? Vale frisar: precisamos tomar como ponto de partida o local onde o serviço foi realizado, verificando se ali há uma unidade econômica ou profissional do contribuinte.
- Se a resposta for NÃO: ISS devido para Bauru.
- Se a resposta for SIM: ISS devido para Campinas.
Como enquadrar um estabelecimento prestador dessa empresa em Campinas? Alguns itens poderão nos dar uma luz para tanto: periodicidade do curso, existência de um escritório de apoio, contratação de empregados fixos no local etc.
Documentos probatórios: contrato, material publicitário e de divulgação, site, sequência de notas fiscais para este mesmo cliente (que prova que o contato é de duração continuada) etc.
Exemplo 2: clínica médica com sede em Cambé/PR presta serviços em Curitiba/PR.
Novamente, é insuficiente essa primeira informação. Como há dois Municípios envolvidos, é preciso saber se em Curitiba (local onde os serviço foi prestado) há uma unidade econômica ou profissional do contribuinte.
- Se a resposta for SIM: ISS devido para Curitiba.
- Se a resposta for NÃO: ISS devido para Cambé.
Como enquadrar um estabelecimento prestador dessa clínica em Curitiba? Resposta: periodicidade dos serviços, empregados contratados, impossibilidade dos serviços serem executados na sede do prestador do serviço etc.
Enfim, essas seriam as considerações que eu entendi pertinentes em torno desse assunto tão complicado.
Recomendo a leitura dos seguintes posts do excelente Prof. Roberto Tauil, que trazem uma opinião crítica e merecida a algumas decisões oscilantes e confusas do STJ em torno do tema ora abordado: http://www.consultormunicipal.adv.br/novo/trimun/iss/0097.pdf e http://www.consultormunicipal.adv.br/novo/trimun/iss/0098.pdf ..
Abaixo, segue a íntegra do AgRg no ARESP nº 413.578, cujo voto do Ministro Herman Benjamin está muito bem redigido, de forma clara e didática.
AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 413.578 - MG (2013⁄0350607-6)
RELATOR |
: |
MINISTRO HERMAN BENJAMIN |
AGRAVANTE |
: |
MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE |
PROCURADOR |
: |
JÚNIA FRANCO BRENER E OUTRO(S) |
AGRAVADO |
: |
SANDVIK MINING AND CONSTRUCTION DO BRASIL S⁄A |
ADVOGADOS |
: |
IARA UMEZAKI DE QUEIROZ |
PAULO SOARES RIBEIRO DE OLIVEIRA E OUTRO(S) |
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ISSQN. MUNICÍPIO COMPETENTE. LOCAL DO ESTABELECIMENTO PRESTADOR DE SERVIÇOS. UNIDADE PROFISSIONAL ESPECÍFICA. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO DEMONSTRADA. REVISÃO. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5 E 7⁄STJ.
1. Hipótese em que o Tribunal a quo consignou que foi criada uma unidade profissional específica para a prestação de serviço no Município Rio Acima-MG, o que atraiu a competência deste para a cobrança do ISSQN.
2. Não se configura a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada. Ademais, não é o órgão julgador obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes em defesa da tese que apresentaram. Deve apenas enfrentar a demanda, observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução.
3. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.117.121⁄SP (Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 29⁄10⁄2009), processado nos moldes do art. 543-C do CPC, firmou o entendimento de que, a partir da LC⁄2003, "como regra geral, o imposto é devido no local do estabelecimento prestador, compreendendo-se como tal o local onde a empresa que é o contribuinte desenvolve a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação, contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas".
4. Conclusão diversa da alcançada pelo julgado exige interpretação de cláusulas contratuais e reexame das provas e dos fatos, o que, a rigor, é obstado na via especial, conforme Súmulas 5 e 7⁄STJ.
5. Agravo Regimental não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques (Presidente), Eliana Calmon e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 10 de dezembro de 2013(data do julgamento).
MINISTRO HERMAN BENJAMIN
Relator
AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 413.578 - MG (2013⁄0350607-6)