Veja abaixo a decisão exarada no RE 603136:
"O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 300 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello. Foi fixada a seguinte tese: "É constitucional a incidência de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) sobre contratos de franquia (franchising) (itens 10.04 e 17.08 da lista de serviços prevista no Anexo da Lei Complementar 116/2003)".
COMENTÁRIO DE FRANCISCO MANGIERI:
Chamo a atenção dos nossos nobres leitores para um aspecto importantíssimo do voto do Relator do recurso, Ministro Gilmar Mendes: ele votou pela incidência do ISS sobre os contratos de franquia, sendo acompanhado pela maioria, porque trata-se de um contrato misto, envolvendo obrigações de dar (licenciamento da marca - cessão de direitos) e também de fazer (assessoria e consultoria).
De um lado, isso representa que o Supremo não abarcou totalmente o sentido econômico do termo "serviço". Mas também quer dizer que o "Guardião da Constituição" sinalizou no sentido da constitucionalidade da incidência do ISS sobre atividades mistas, isto é, aquelas que envolvem prestações de dar e igualmente de fazer. Mas aí não seria o caso de segregar as receitas, tributando apenas a parcela de serviços (obrigação de fazer)? O STF respondeu que não, aduzindo o seguinte:
"Há, pelo menos, duas razões pelas quais julgo que não devemos separálas para fins fiscais, no caso dos autos, de modo que apenas as segundas (atividades-meio) ficassem sujeitas ao ISS, e não as primeiras (atividades-fim).
A primeira razão é que o contrato em questão é uma unidade, um plexo de obrigações contrapostas que inclui diferentes atividades. Não é apenas cessão de uso de marca, tampouco uma relação de assistência técnica ou transferência de know how ou segredo de indústria. O contrato de franquia forma-se de umas e outras atividades, reunidas num só negócio jurídico. Nenhumas das referidas prestações, per se , seria suficiente para definir essa relação contratual. Separar umas das outras acabaria por desnaturar a relação contratual em questão, mudando-lhe o sentido prático e o escopo.
A segunda razão é de ordem eminentemente prática. A experiência, senhores Ministros, permite-me afirmar que essa interpretação digo, no sentido de dar tratamento diferente à atividade-meio e à atividade-fim certamente conduziria o contribuinte à tentação de manipular as formas contratuais e os custos individuais das diversas prestações, a fim de reduzir a carga fiscal incidente no contrato. De fato, se tivéssemos que separar, num mesmo contrato, as prestações compreendidas na atividade-fim das compreendidas na atividade-meio, de modo que somente estas últimas ficassem sujeitas ao pagamento de ISS, em muito breve, as relações contratuais entre franqueadores e franqueados haveriam de se reorganizar, elevando o custo atribuído à dita atividade-fim e reduzindo, em contrapartida, o montante atribuído à atividade-meio.
De mais a mais, não posso deixar de fazer um registro, à guisa de reforço, em relação a tudo que até agora afirmei. Preocupam-me sobremaneira, no julgamento de casos tais, as consequências de nossa decisão sobre o exercício da competência impositiva municipal. É que, pela decisão de inconstitucionalidade, estamos a criar vazios no sistema tributário, decotes na já combalida estrutura fiscal dos Estados e Municípios, fatos livres de tributação. Cite-se como exemplo o precedente da não incidência de ISS sobre a locação de bens móveis. Sobre essa atividade, o Município não pode cobrar o ISS, tampouco o Estado pode exigir o ICMS.
De certo modo, o mesmo aconteceria com os contratos de franquia, na hipótese de não se admitir a incidência do imposto municipal. Enfim, penso que é pertinente fazer esse último registro, quanto às consequências deste julgamento, não como um elemento extrajurídico e, portanto, alheio a esse julgamento, mas como uma questão que tem, sim, íntima conexão com o cerne do sistema tributário e com o papel institucional nesta Corte. Em outras palavras, nosso mister constitucional inclui a proteção dos direitos fundamentais do contribuinte contra qualquer ação do fisco, seja no plano da legislação, seja no plano administrativo, que destoe do figurino constitucional; mas também a defesa das competências constitucionais tributárias e devo dizer da arrecadação tributária, peça-chave do conceito de Estado Fiscal, como hoje o conhecemos.
Ademais, cumpre também consignar que a orientação que ora adoto não parece destoar da linha mais atual de pensamento desta Corte, no tocante à interpretação do art. 156, III, da Constituição Federal. Destaco, em especial, a decisão desta Corte no RE 651.703, de relatoria do Ministro Luiz Fux, tema 581 da sistemática da repercussão geral, julgado em 29.9.2016, no qual se discutia a incidência de ISS sobre as atividades desenvolvidas pelas operadoras de plano de saúde.
Enfim, por todas essas razões, estou convencido de que não viola o texto constitucional nem destoa da orientação atual desta Corte a cobrança de ISS sobre os contratos de franquia ( franchising ). Reitere-se que os contratos de franquia são de caráter mistos ou híbridos, o que engloba tanto obrigações de dar quanto de fazer. Em sendo assim, o caso é de reafirmar a jurisprudência desta Corte, no sentido da incidência do ISS, conforme já decidido em sede de repercussão geral tanto no RE 651.703, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe 26.4.2017, quanto no RE 592.905, Rel. Ministro Eros Grau, DJe 5.3.2010 (parte do voto do relator)."
Trata-se, como vemos, de decisão de fundamental importância para a própria definição do conceito de serviço para fins de ISS, "constitucionalizando" a incidência de alguns itens da Lista de Serviços que a princípio também caracterizam hipóteses de cessões de direitos, tais como o 3.02 (este com decisões já favoráveis), 3.03, 3.05 e o 17.08, agora julgado.