Na Revista Dialética de Direito Tributário nº 182, de novembro de 2010, páginas 158 a 181, consta um parecer lavrado pelo Prof. Ives Gandra da Silva Martins e Marilene Talarico Martins Rodrigues, cuja consulente foi uma prefeitura não identificada no texto publicado, que tratou sobre o polêmico assunto da tributação do arrendamento mercantil (financeiro e lease-back) pelo ISS.
Neste parecer, os doutos juristas enfrentaram alguns pontos ainda polêmicos que giram em torno do assunto.
A intenção deste artigo é de pinçar alguns dos ensinamentos ali tratados, ficando o convite para o leitor consultar o inteiro teor na mencionada revista.
Quanto à base de cálculo do imposto municipal, Ives Gandra e Marilene Rodrigues entenderam que haverá a incidência do ISS sobre todo o valor, inclusive o VRG. Aliás, eles afastaram a aplicação do artigo 3º, VIII, da LC 87/96 (lei nacional do ICMS), com fulcro no artigo 1º, §2º da LC 116/2003 (lei nacional do ISS), segundo o qual o ICMS somente incidirá sobre as atividades elencadas na lista de serviços quando houver previsão específica nela, algo inexistente na lista anexa à LC 116/2003.
Eu e Francisco Mangieri, nos nossos textos, cursos e no livro “ISS sobre o leasing” (no preço, com lançamento programado para o final de novembro/2010), temos defendido exatamente essa conclusão: O ISS deve incidir sobre o valor total da operação, ou seja, inclusive sobre o valor residual de garantia (VRG).
O artigo 3º, VIII, da LC 87/96 (que prevê a incidência do ICMS sobre o VRG), “se” considerado constitucional (algo repelido pela doutrina e, inclusive, pelo próprio STF, exceto no leasing-importação), ele acabou sendo revogado pela LC 116/2003, que claramente não admitiu nenhuma redução da base do ISS em prol do ICMS.
Além disso, o VRG faz parte do preço do serviço (financiamento-serviço) do leasing. É algo indissociável, faz parte da chamada “equação financeira” desse contrato, conforme brilhantemente ensinou José Francisco de Miranda Leão, em sua obra “Leasing – o arrendamento financeiro”, da editora RT.
Ademais, o STF considerou o leasing como um financiamento (financiamento-serviço) como um todo, sem qualquer reserva no tocante às parcelas que compõem o preço. O STF foi totalmente claro ao considerar o arrendamento mercantil (financeiro e lease-back) como um único contrato. Ora, se o contrato é único, o preço também é único, ainda que haja uma divisão “didática” que compõe, no final, o preço total desse financiamento-serviço.
Por outro lado, ao tratar do local da ocorrência do ISS no arrendamento mercantil (por conseguinte, definição do Município-credor), os Profs. Ives Gandra e Marilene Rodrigues, após criticarem a LC 116/2003 nessa parte afeta à definição do elemento espacial do fato gerador do ISS (“a LC 116/2003 não é suficientemente clara sobre a questão” – escreveram), lecionaram que o artigo 4º da LC 116/2003 “é bastante abrangente e conduz ao entendimento diverso daquelas hipóteses expressamente previstas no art. 3º da LC 116/2003”, considerando como estabelecimento prestador o “local da prestação de serviço a unidade econômica ou profissional do contribuinte”, sendo irrelevantes os nomes atribuídos a essa unidade. O foco, portanto, deve estar na “unidade econômica ou profissional”, e não na denominação ou constituição formal do “estabelecimento” (CNPJ, IE, IM, etc.).
No caso do leasing, asseveraram:
“Quanto ao local da prestação de serviços, o art. 4º da Lei Complementar nº 116/2003 é bastante abrangente, e dá respaldo a exigência do ISS no território do Município onde há uma unidade econômica ou profissional, em que tenha ocorrido a concretização dos serviços”.
E citam o recente precedente do STJ no RESP nº 1.160.253 (j. em 10/08/2010), que atraiu a incidência do ISS para o Município onde o prestador de serviço tinha uma “unidade econômica ou profissional”.
Trata-se de outro entendimento que nós sempre defendemos: o ISS não é devido no Município onde fica a “sede” da arrendadora. Há várias atividades que, no seu conjunto, formam o contrato de arrendamento mercantil. A esmagadora maioria dessas atividades, na prática, ocorrem no Município onde está situada a agência bancária, a concessionária ou revendedora de veículo local. Aliás, este entendimento sempre foi sufragado pelo STJ e, recentemente, este tribunal manteve intacto seu posicionamento neste mesmo sentido, no EDcl nº AgRg no AG nº 1.019.143, já à luz da LC nº 116/2003.
Com efeito, a agência bancária local (tal como as concessionárias e revendedoras) é, por certo, uma unidade profissional e econômica onde esses contratos são concretizados. Na sede da arrendadora não há nenhum contato, nenhum atendimento ao arrendatário. Pode-se dizer, inclusive, que a arrendadora sequer dispõe de empregados distribuídos em todo o País para formalizarem esses contratos. Quem atuam como verdadeiros prepostos das arrendadoras são os próprios empregados dos bancos, das concessionárias e das revendedoras.
Aliás, muito embora isso não tenha sido objeto de estudo por parte dos pareceristas, a atuação dessas agências bancárias locais, das concessionárias e das revendedoras acabam transformado-as em devedoras solidárias do imposto, por “interesse comum” (praticam o fato gerador do leasing em conjunto com a arrendadora; praticam várias atividades-meio relacionados ao contrato de arrendamento mercantil).
Ao serem indagados se o bem arrendado deve estar comprovadamente circulando no município, os tributaristas responderam que não, e fundamentaram: “o arrendatário do contato de leasing tem a liberdade de utilizar o bem objeto do contrato, da maneira que melhor desejar. Não há obrigatoriedade de estar o bem no Município”.
Neste ponto, também volta a ser confirmada a tese por nós levantada (Omar e Francisco) de que o ISS é devido no local onde o leasing foi concretizado, e não necessariamente na sede da arrendadora e nem a sede da arrendatária. E temos citado sempre o seguinte exemplo:
Uma empresa de Jaú-SP celebra um contrato de arrendamento mercantil financeiro com uma arrendadora de Barueri, cujo contrato foi negociado (tratado, intermediação, atendimento, contato) em uma agência bancária de Bauru. O ISS será devido, nesta hipótese, para Bauru, onde fica a “unidade econômica ou profissional” que serviu de local para a concretização do contrato de leasing.
Noutro giro, vale também destacar que o referido parecer analisou a incidência do ISS sobre a administração de cartões. Foi muito bem dito por esses dois tributaristas renomados, que o subitem 15.01 da Lista (administração) abarca não apenas a administração de cartões de crédito e de débito, mas também os “cartões congêneres”, ou seja, ficam incluídos na incidência do imposto municipal os cartões de alimentação, cesta básica, combustível, cartão salário e etc.
Por fim, vale também mencionar que os dois consagrados tributaristas afirmaram algo que também temos difundido em nossos cursos, relativamente ao apego que nós devemos ter à jurisprudência dominante dos tribunais superiores (jurisprudencialismo).
Faço como minhas as palavras de Ives Gandra e Marilene Rodrigues, em prol do jurisprudencialismo que tomou conta da área jurídica tributária:
“Não temos, pois, preconceitos aristocráticos de doutrinadores, que não se curvam às decisões pretorianas, sob a alegação que decidiram mal. Hart dizia, no seu livro The Concepto f Law que ‘The law is what the court say it is’”, ou seja, “o direito é aquilo que a Corte diz que é”.
Enfim, vindo de uma das maiores autoridades do direito tributário nacional (e mundial), esse parecer serve como estímulo para os Municípios intensificarem ainda mais os trabalhos em volta dessa milionária tributária.
Além disso, essas lições vêm confirmar aquilo que eu e o colega Francisco Mangieri temos dito desde quando saiu a decisão do STF em prol da incidência do ISS sobre o leasing.
ISS SOBRE O LEASING – PARECER DO PROF. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
Omar Augusto Leite Melo
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