Um exemplo que temos corriqueiramente visto é a fiscalização sobre os tabeliães e notários, pois muitos deles vêm se recusando a apresentar seus livros fiscais e comerciais ao Fisco Municipal, ora sob a alegação de que são “sigilosos”, ora porque pretendem dificultar os trabalhos fiscais (embaraço).
Diante de tal situação, tem-se tomado algumas medidas, a saber: requisição de força policial, lavratura de boletim de ocorrência, aplicação de multas, reclamação para a Corregedoria do Tribunal de Justiça, e o ajuizamento de ação judicial (cautelar) de exibição de documentos. Vale dizer que todo esse esforço fiscal tem como meta evitar a constituição do crédito tributário por meio de um arbitramento (artigo 148 do CTN), até porque muitos Municípios não possuem nenhum histórico ou parâmetro pertinente para arbitrar a receita de um cartório com segurança e coerência.
No tocante àquela última medida (ação de exibição de documentos), há algumas decisões de Tribunais de Justiça afastando a legitimidade do Município nesta ação.
No entanto, no Superior Tribunal de Justiça há um acórdão favorável à legitimidade do Município no ajuizamento dessa ação.
Trata-se do RESP nº 1.010.920, relator Ministro José Delgado, v.u., j. em 20/05/2008, DJ-e de 23/06/2008, julgado pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, cujo inteiro teor segue abaixo.
Em breve resumo, vale reproduzir o seguinte trecho do voto do Ministro relator:
“Deve ser afastada a alegação de ausência de interesse do município, pois inexiste no ordenamento jurídico disposição legal que impeça, mas ao contrário, contempla a legislação pátria a possibilidade do manejo da ação exibitória de documentos, uma vez que, como assinalado anteriormente, a faculdade conferida pelos dispositivos legais insertos nos artigos 195 e 200 do Código Tributário Nacional não pode ser utilizada como fator de obstáculo ao exercício do múnus público do Estado”.
Com efeito, o argumento invocado pelos contribuintes e acatado por alguns desembargadores de Tribunais de Justiça - de que o Município tem a autoexecutoriedade em seu favor, não carecendo de respaldo ou autorização judicial – cai por terra à luz dos princípios da legalidade e do amplo acesso ao Judiciário. Como muito bem disse o Ministro José Delgado, não há previsão legal que impeça o uso da ação de exibição de documentos por parte de um Município. Ao contrário, a ação exibitória de documentos é reforçada pelos artigos 195 e 200 do CTN.
Aliás, a respeito do “poder” dotado pela Administração Tributário de proceder livremente à fiscalização, isso, por si só, não afasta a eventual necessidade de mandado judicial, quando o contribuinte negar a entrada dos fiscais (e/ou da própria polícia) em seu estabelecimento. Ou seja, o fiscal, ainda que contando com o auxílio policial, não poderá adentrar (forçadamente) no estabelecimento do contribuinte, caso este não libere sua entrada, ou exija o mandado judicial. Tal entendimento é visualizado nos RHC nº 21.072 e nº 18.612, ambos da 5ª Turma do STJ.
Tal entendimento reforça a necessidade da Administração buscar socorro ao Judiciário, para obter a exibição dos documentos desejados. Facultativamente, o Fisco pode até optar pela ação de busca e apreensão de documentos, ou seja, buscar o (indispensável) mandado judicial para adentrar coercitivamente (contra a vontade do contribuinte) no estabelecimento fiscalizado.
Em resumo, quando o contribuinte embaraçar a fiscalização, a Administração Tributária poderá tomar as seguintes providências:
- Buscar auxílio policial, mas não poderá entrar no estabelecimento sem a autorização (aquiescência) do contribuinte;
- Ajuizar ação de busca e apreensão, para obter o mandado judicial para, aí sim, entrar no estabelecimento mesmo contra a vontade do contribuinte;
- Ajuizar ação de exibição de documentos, para que o contribuinte apresente os documentos necessários, sob pena de aplicação de uma multa diária a ser fixada pelo juiz (pedido cominatório);
- Também poderá partir para um arbitramento, baseando-se nas informações e documentos que até então conseguir. Aliás, o arbitramento é cabível nas hipóteses do artigo 148 do Código Tributário Nacional.
- Com o arbitramento, o ônus da prova fica invertido, ou seja, o contribuinte é quem passa a ter o dever de mostrar que os valores arbitrados estão acima do real. Por conseguinte, no exercício do arbitramento, a Administração Tributária precisa ser rigorosa na apuração.
Finalmente, segue, abaixo, o inteiro teor do RESP nº 1.010.920, em prol da legitimidade ativa dos Municípios para ingressarem co ma ação de exibição de documentos.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.010.920 - RS (2007⁄0284567-8)
RELATOR |
: |
MINISTRO JOSÉ DELGADO |
RECORRENTE |
: |
MUNICÍPIO DE VACARIA |
ADVOGADO |
: |
ADRIANA TIEPPO |
RECORRIDO |
: |
ADEMIR DEON |
ADVOGADO |
: |
ADRIANA A KRAMER JACOBI DEÕN |
EMENTA
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. RESISTÊNCIA DO CONTRIBUINTE. INTERESSE DE AGIR DO MUNICÍPIO. RECURSO ESPECIAL PELA LETRA 'C" CONHECIDO E PROVIDO.
1. Cuida-se de recurso especial pela alínea "c" da permissão constitucional contra acórdão que extinguiu ação de exibição de documentos proposta pela municipalidade sob o fundamento de ausência de interesse para agir em face do que dispõe o artigo 195 combinado com o artigo 200, ambos do CTN, os quais garantem ao Fisco o direito de ampla investigação sobre livros e demais documentos comerciais e fiscais do contribuinte. Sem contra-razões.
2. A faculdade conferida à Fazenda Pública para determinar a exibição da documentação que julgar necessária no exercício de sua função de fiscalização tributária, não lhe retira o interesse de propor ação judicial caso encontre resistência do contribuinte em a fornecer. Inexiste no ordenamento jurídico disposição que impeça, ao contrário, contempla a legislação pátria a possibilidade do manejo da ação exibitória de documentos, uma vez que, como assinalado anteriormente, a faculdade conferida pelos dispositivos legais insertos nos artigos 195 e 200 do Código Tributário Nacional não pode ser utilizada como fator de obstáculo ao exercício do múnus público do Estado; pois, quem pode o mais, pode o menos.
3. O interesse de agir evidencia-se na necessidade de o município ter acesso à documentação da empresa para obter os esclarecimentos necessários à elucidação de vários procedimentos adotados pela recorrida na escrituração de suas contas.
4. Recurso especial provido para reconhecer o interesse de agir do município devendo os autos retornarem ao Tribunal a quo para que seja julgado o mérito da apelação.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Luiz Fux, Teori Albino Zavascki e Denise Arruda (Presidenta) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 20 de maio de 2008 (Data do Julgamento)
MINISTRO JOSÉ DELGADO
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 1.010.920 - RS (2007⁄0284567-8)
RELATOR |
: |
MINISTRO JOSÉ DELGADO |
RECORRENTE |
: |
MUNICÍPIO DE VACARIA |
ADVOGADO |
: |
ADRIANA TIEPPO |
RECORRIDO |
: |
ADEMIR DEON |
ADVOGADO |
: |
ADRIANA A KRAMER JACOBI DEÕN |
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (Relator): Cuida-se de recurso especial pela alínea "c" da permissão constitucional contra acórdão que extinguiu ação de exibição de documentos proposta pela municipalidade sob o fundamento de ausência de interesse para agir em face do que dispõe o artigo 195 do CTN, que garante ao Fisco o direito de ampla investigação sobre livros e demais documentos comerciais e fiscais do contribuinte.
O recorrente colaciona como paradigmas julgados dos Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e de Santa Catarina, este último com a seguinte ementa (fl. 94):
REEXAME NECESSÁRIO. CAUTELAR. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA. ART. 195 E 200 CTN. INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO. PROVIMENTO. Não se pode privar o Município de buscar a prestação jurisdicional a fim de que obtenha acesso a documentos fiscais, compelindo-o a fazer uso da força pública para tal escopo, pois resta configurado o interesse processual,, haja vista a resistência do contribuinte. "Apesar do art. 195 do CTN, em virtude de negativa, por parte da pessoa sujeita à fiscalização, pode o Fisco mediante a actio adequada, obter acesso aos documentos indispensáveis.
Não foram ofertadas contra-razões.
Juízo prelibatório positivo admitindo o recurso especial.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.010.920 - RS (2007⁄0284567-8)
EMENTA
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. RESISTÊNCIA DO CONTRIBUINTE. INTERESSE DE AGIR DO MUNICÍPIO. RECURSO ESPECIAL PELA LETRA 'C" CONHECIDO E PROVIDO.
1. Cuida-se de recurso especial pela alínea "c" da permissão constitucional contra acórdão que extinguiu ação de exibição de documentos proposta pela municipalidade sob o fundamento de ausência de interesse para agir em face do que dispõe o artigo 195 combinado com o artigo 200, ambos do CTN, os quais garantem ao Fisco o direito de ampla investigação sobre livros e demais documentos comerciais e fiscais do contribuinte. Sem contra-razões.
2. A faculdade conferida à Fazenda Pública para determinar a exibição da documentação que julgar necessária no exercício de sua função de fiscalização tributária, não lhe retira o interesse de propor ação judicial caso encontre resistência do contribuinte em a fornecer. Inexiste no ordenamento jurídico disposição que impeça, ao contrário, contempla a legislação pátria a possibilidade do manejo da ação exibitória de documentos, uma vez que, como assinalado anteriormente, a faculdade conferida pelos dispositivos legais insertos nos artigos 195 e 200 do Código Tributário Nacional não pode ser utilizada como fator de obstáculo ao exercício do múnus público do Estado; pois, quem pode o mais, pode o menos.
3. O interesse de agir evidencia-se na necessidade de o município ter acesso à documentação da empresa para obter os esclarecimentos necessários à elucidação de vários procedimentos adotados pela recorrida na escrituração de suas contas.
4. Recurso especial provido para reconhecer o interesse de agir do município devendo os autos retornarem ao Tribunal a quo para que seja julgado o mérito da apelação.
VOTO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (Relator): Conheço do recurso pela divergência apenas quanto aos acórdãos proferidos pelo TJSC e TJMG uma vez que o outro julgado colacionado, sendo oriundo do mesmo colegiado recorrido, não se presta para interposição do recurso especial pela letra "c".
Em que pesem os judiciosos fundamentos do acórdão recorrido, discordo quanto à sua conclusão de inexistência de interesse de agir do município ao propor ação de exibição de documentos em face do comando do artigo 195 combinado com o artigo 200 do Código Tributário Nacional.
A faculdade conferida à Fazenda Pública para determinar a exibição dos documentos que julgar necessários ao exercício de fiscalização tributária não lhe retira o interesse de propor ação judicial caso encontre resistência do contribuinte em os fornecer.
Deve ser afastada a alegativa de ausência de interesse do município, pois inexiste no ordenamento jurídico disposição legal que impeça, mas ao contrário, contempla a legislação pátria a possibilidade do manejo da ação exibitória de documentos, uma vez que, como assinalado anteriormente, a faculdade conferida pelos dispositivos legais insertos nos artigos 195 e 200 do Código Tributário Nacional não pode ser utilizada como fator de obstáculo ao exercício do múnus público do Estado.
O interesse de agir evidencia-se na necessidade de o município ter acesso à documentação da empresa para obter os esclarecimentos necessários à elucidação de vários procedimentos adotados pela recorrida na escrituração de suas contas.
Humberto Theodoro Júnior leciona que: "[...] legitimados ao processo são os sujeitos da lide, isto é, os titulares dos interesses em conflito. A legitimação ativa caberá ao titular do interesse afirmado na pretensão, e a passiva ao titular do interesse que se opõe ou resiste à pretensão." (Curso de Direito Processual, vol. I, 18ª edição; Forense).
Conforme informam os autos, a recorrida expôs todo tipo de dificuldades para a exibição dos documentos exigidos, alegando não os possuir e não atendendo de forma completa às solicitações da administração fiscal. De fato, corretamente assinalou a sentença à fl. 54:
Conquanto a auto-executoriedade conferida pelo predito art. 195, CTN, à autoridade administrativa, há (haja vista o desatendimento à notificação) interesse processual do Município à exibição em apreço, sendo esta a lição de Leandro Paulsen, in "Direito Tributário", Livraria do Advogado, p. 390:
"Havendo negativa ou mera obstaculização por parte da pessoa sujeita à fiscalização, à exibição dos livros e documentos, pode o Fisco buscar, em Juízo, acesso aos mesmos [...]."
Postas as considerações supra-assinaladas, DOU provimento ao recurso para reconhecer o interesse de agir do município, devendo os autos retornarem para que seja julgado o mérito da apelação.
É como voto.
ERTIDÃO DE JULGAMENTO
PRIMEIRA TURMA
Número Registro: 2007⁄0284567-8 |
REsp 1010920 ⁄ RS |
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Números Origem: 10500055356 70018676452 70021237268
PAUTA: 20⁄05⁄2008 |
JULGADO: 20⁄05⁄2008 |
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Relator
Exmo. Sr. Ministro JOSÉ DELGADO
Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra DENISE ARRUDA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOSÉ EDUARDO DE SANTANA
Secretária
Bela. MARIA DO SOCORRO MELO
AUTUAÇÃO
RECORRENTE |
: |
MUNICÍPIO DE VACARIA |
ADVOGADO |
: |
ADRIANA TIEPPO |
RECORRIDO |
: |
ADEMIR DEON |
ADVOGADO |
: |
ADRIANA A KRAMER JACOBI DEÕN |
ASSUNTO: Ação Cautelar - Exibição
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Luiz Fux, Teori Albino Zavascki e Denise Arruda (Presidenta) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 20 de maio de 2008
MARIA DO SOCORRO MELO
Secretária