Impostos na nota fiscal – ilusão e custos
É difícil criticar uma ideia que goza de ampla aceitação da sociedade, mas vamos lá. Refiro-me ao projeto de lei que determina explicitar os impostos na nota fiscal. Tal regra não existe em lugar algum, pois seus custos superam os supostos benefícios.
O projeto teria por objetivo conscientizar os cidadãos. A percepção do peso dos impostos geraria demanda de redução da enorme carga tributária e de serviços públicos compatíveis com o que se paga. Uma experiência recente não prova a premissa. O ICMS está nas contas de energia e de telefone, mas não estimulou qualquer movimento para diminuir esse imposto.
Os defensores da ideia asseguram que a regra funciona nos EUA e na Europa. Não é verdade. Nos EUA, os Estados cobram um imposto nas vendas finais, o sale tax. O imposto aparece na nota porque é preciso calculá-lo a cada transação, e não para conscientizar o contribuinte. O consumidor não é informado dos outros tributos, tais como os relativos a combustíveis e ao Imposto de Renda (IR). Na Europa, vigora o imposto sobre o valor agregado (IVA). Nos casos do meu conhecimento, como o da Inglaterra, o imposto não consta da nota. Mesmo que outros países obriguem a explicitação do IVA na nota, o consumidor não ficará sabendo do custo de outros tributos.
Pelo projeto de lei, nas vendas ao consumidor a empresa será obrigada a explicitar nove incidências tributárias: IPI, ICMS, ISS, IOF, IR, CSLL, Cofins, PIS/Pasep e Cide. Os bancos terão de informar o IOF nas operações de empréstimo. Se o bem contiver componentes importados, as empresas terão de explicitar os tributos incidentes na importação, o que é quase impossível.
Na selva do sistema tributário, é impossível saber os valores pagos ao longo da cadeia de produção e comercialização. Alguns deles não deixam pistas. Mesmo que fosse possível, as normas mudam habitualmente. São 26 Estados e o Distrito Federal, todos com poder de ditar regras. Em agosto deste ano, em todo o País, o ICMS mudou em média cinco vezes ao dia. Os mais de 5 mil municípios podem alterar o ISS. O governo federal altera, onera e desonera com frequência estonteante.
A Associação Comercial de São Paulo desenvolveu um programa de computador para explicitar os tributos nos caixas dos supermercados. Impressiona vê-lo funcionar, mas é mera estimativa, sem a precisão que normas neste campo exigem (ainda que o projeto admita a estimativa). Não faltará quem recorra ao Judiciário para contestar o valor, ou seja, mais incertezas e custos para as empresas.
Como fazer para explicitar o Imposto de Renda? Bem lembrou o ministro da Fazenda, não é possível saber o valor a ser pago no futuro, que depende do lucro. Mais incrível ainda é exigir que seja explicitado o IR pago pelos fornecedores da mercadoria. Por tudo isso, todas as empresas serão obrigadas a rever seus sistemas eletrônicos, para adaptá-los às novas exigências. A nota fiscal eletrônica terá de ser reformulada. As micro e pequenas empresas terão dificuldade de cumprir a norma.
No momento em que ocorre uma queda preocupante da produtividade, que nos lega uma economia de baixo crescimento, custa crer que empresários e políticos apoiem uma ideia que agravará as ineficiências e poderá também aumentar custos para o consumidor. Muitas belas intenções como esta não conseguem superar a demonstração de sua inconveniência. Deve-se, assim, estudar adequadamente as propostas de mudanças institucionais submetidas ao governo e ao Congresso. Parece que esta se baseou apenas na indignação com o tamanho da carga tributária e a má qualidade dos serviços públicos. Não está claro se seus autores ou o Congresso avaliaram custos e consequências do projeto.
Existem muitas outras formas de mobilizar a sociedade em prol de um sistema tributário mais racional e da melhoria dos serviços públicos. A proposta de fazê-lo mediante a explicitação dos impostos na nota fiscal não é das melhores. A presidente Dilma tem muitas razões para vetar o projeto.
Maílson da Nóbrega
O Estado de S. Paulo
COMENTÁRIO DE OMAR AUGUSTO LEITE MELO: interessante essa matéria porque traz um contraponto para esse assunto. Particularmente, sou favorável a esta medida aprovada no Congresso Nacional. Talvez não seja a “melhor”, mas, pelo menos, é um primeiro passo importante nessa luta pela cidadania fiscal: os consumidores brasileiros precisam ter uma “noção” (ainda que vaga; não precisa, nem dá para ser exata!) do que ele está pagando de tributos, na condição de “contribuinte de fato”. O povo brasileiro precisa ter essas informações de quanto o Governo está arrecadando de tributos. A medida deve gerar uma maior conscientização fiscal por parte do consumidor, já que muitos deles têm a falsa impressão de que somente pagam IPTU, IPVA ou IRPF, desconhecendo que, na verdade, recolhem muito ICMS, PIS, COFINS, IPI, ISS, IOF, contribuições previdenciárias, CIDE e tantas outras inesgotáveis siglas tributárias! Discordo do autor (ex Ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega) também quando ele fala que os contribuintes (empresários) vão ser contrários ou terão um “custo” para se adequarem a essa obrigação acessória (custos de conformidade): essa informação também vai mostrar para a sociedade que os “lucros” dos produtos e dos serviços estão muito mais para os Fiscos do que para o empresário, ou seja, que o preço daquele produto está naquele valor também por causa dos tributos! Ainda sobre os custos, os percentuais acabarão sendo ampla e gratuitamente divulgados pelo próprio Fisco ou entidades (como é o caso da Associação Comercial de São Paulo). Vamos aguardar o posicionamento da Presidente.
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