Justiça aceita encontro de contas com precatórios
Empresas que ganharam recentemente ações contra a União já começaram a enfrentar o chamado encontro de contas previsto na Emenda Constitucional (EC) nº 62, de 2009. Antes que seja expedido um novo precatório, juízes da execução têm pedido à Fazenda Nacional que se manifeste sobre a existência de eventuais dívidas tributárias federais ou até valores a vencer de parcelamentos existentes em nome da empresa, que poderão ser abatidos dos valores devidos. Há decisões nesse sentido no sul do país e no Distrito Federal.
A prática, no entanto, ainda não é empregada em larga escala. Mas esse cenário deve mudar com a aprovação, na quarta-feira, da Medida Provisória (MP) nº 517, de 2010, pelo Senado. A norma regulamentou o mecanismo. A MP traz 15 artigos sobre precatórios e detalha as compensações (leia ao lado). Para ser convertida em lei, a MP depende ainda da sanção da presidente da República, Dilma Rousseff.
Entre os casos em que houve a solicitação de informações à Fazenda está o processo de uma universidade no Rio Grande do Sul. A juíza federal substituta Marta Siqueira da Cunha, da 1ª Vara Federal de Pelotas, baseou-se na Emenda nº 62 e na Orientação Normativa nº 4 do Conselho da Justiça Federal (CNJ), para intimar a União a manifestar-se sobre a existência de débitos que sofreriam o abatimento. A magistrada concedeu prazo de dez dias e determinou que na ausência de oposição, que se requisite o pagamento de precatórios. Como a União não apontou os débitos, o título deve ser expedido.
A Vara Federal Ambiental de Curitiba também intimou a União antes de emitir um precatório a favor de um laboratório especializado em diagnóstico por imagem, mas ainda não obteve retorno do pedido. Em um outro caso, que envolve uma clínica médica e corre na 14ª Vara Federal de Brasília, a União, após ser intimada, apontou débitos para fazer compensação. Como não discriminou os códigos da receita necessários ao encontro de contas, o precatório não pôde ser emitido.
Segundo a advogada Luiza Perez, do Advocacia Ulisses Jung, que defende as empresas, a demora na manifestação nos processos pode inviabilizar a expedição dos precatórios no prazo constitucional. Isso porque o artigo 100 da Constituição prevê que os títulos apresentados até 1º de julho devem ser pagos no ano seguinte. Para ela, é "evidente o prejuízo do contribuinte", no caso da clínica médica, por exemplo, "que concordou com a compensação justamente para viabilizar o recebimento do precatório em 2012". Prazo que pode se perder pela demora.
Como o parágrafo 9º, do artigo 1º da Emenda 62 é claro ao estipular que o encontro de contas pode ocorrer, independentemente de regulamentação, a advogada afirma que alguns juízes já têm se valido do dispositivo nos processos. Para ela, a aprovação da MP deve potencializar a prática. "Essa possibilidade, no entanto, é absurda, porque é como se houvesse uma execução fiscal administrativa sem o direito de se defender", diz Luiza.
No entanto, não são todos os magistrados que concordam com o procedimento. Em uma decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região (São Paulo), de janeiro, o desembargador Fábio Prieto, entendeu que ainda que uma emenda constitucional possa promover esse encontro de contas, não poderia ser eficaz contra parcelamentos em curso. De acordo com a decisão, a formalização de um parcelamento constitui um "ato jurídico perfeito", ou seja, não poderia ser modificado, nem mesmo por uma emenda constitucional posterior. Dessa forma, não autorizou a compensação de valores a vencer de um parcelamento de uma distribuidora de veículos com os valores de um precatório a ser expedido.
Medida provisória regulamenta procedimento
A Medida Provisória (MP) nº 517, de 2010, aprovada nesta semana pelo Senado, estabelece prazos e procedimentos para o encontros de contas entre credores de precatórios e o governo federal. O texto, que ainda depende de sanção presidencial, cria praticamente uma nova fase processual para viabilizar essas compensações.
Com a uniformização dos prazos, os juízes terão que dar 30 dias para a Fazenda Nacional se manifestar em relação a eventuais dívidas do credor ou parcelamentos que poderão ser compensados. Nessa fase, de acordo com o artigo 30 da MP, a União terá que apontar os dados necessários para a identificação dos débitos pela empresa.
Recebidas essas informações, o magistrado terá que dar 15 dias para que o credor possa se manifestar e apresentar eventuais impugnações. O artigo 31 traz as possibilidades nas quais essas impugnações serão admitidas - quando a empresa comprovar que a dívida está suspensa, ou que houve erro no cálculo, ou até mesmo se o débito está extinto.
Depois disso, o juiz ainda terá dez dias para decidir sobre os valores que poderão ou não ser compensados. E, dessa decisão, ainda cabe recurso com o chamado agravo de instrumento, que então impede a requisição do precatório até que seja julgado no mérito e transite em julgado - quando não cabe mais recurso.
Adriana Aguiar - De São Paulo para o Valor Econômico
COMENTÁRIO DE OMAR AUGUSTO LEITE MELO: vale destacar duas observações importantes relativas à essa compensação prevista no artigo 100, §9º, da Constituição Federal (EC 62/2009): a) o precatório devido pelo Órgão Público só poderá ser automaticamente compensado com débitos do credor “ORIGINAL” do precatório (autor da ação condenatória ou seu sucessor); e b) a compensação somente poderá ser feita se a dívida do credor original do precatório não estiver suspensa em razão de discussão administrativa ou judicial.
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