ISS NA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA DEIXA DÚVIDA
Marluzi Andrea Costa Barros - Conjur
Comentários: Omar Augusto Leite Melo
Um tema que merece atenção das empresas do ramo de empreendimentos imobiliários, especialmente agora, diante das mais novas decisões do Superior Tribunal de Justiça, é o da cobrança indevida, pela municipalidade, do Imposto sobre Serviços (ISS) sobre a incorporação, visto que, no mais das vezes, a cobrança é realizada sobre fato que não se constitui serviço tributável, gerando um indevido pagamento em franca contrariedade à lei.
Em decisão do último dia 7 de junho, o STJ analisou que “não é possível a cobrança do Imposto sobre Serviços na atividade de incorporação imobiliária, quando a construção é feita pelo incorporador em terreno próprio, por sua conta e risco. O entendimento é da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar o recurso do município de Natal (RN) contra a Empresa de Serviços e Construção Ltda (Escol)”.
No voto do relator, o ministro Castro Meira, ele destaca que “na incorporação direta, que é o caso, o incorporador constrói em terreno próprio, por sua conta e risco, realizando a venda das unidades autônomas por ‘preço global’, compreensivo da cota de terreno e construção. Como a sua finalidade é a venda de unidades imobiliárias futuras, concluídas, conforme previamente acertado no contrato de promessa de compra e venda, a construção é simples meio para atingir-se o objetivo final da incorporação direta; o incorporador não presta serviço de construção civil ao adquirente, mas para si próprio. Logo, não cabe a incidência de ISS na incorporação direta, já que o alvo desse imposto é atividade humana prestada em favor de terceiros como fim ou objeto; tributa-se o serviço-fim, nunca o serviço-meio, realizado para alcançar determinada finalidade. As etapas intermediárias são realizadas em benefício do próprio prestador, para que atinja o objetivo final, não podendo, assim, serem tidas como fatos geradores da exação”.
O ISS, conhecido como Imposto Sobre Serviços, regulamentado decisivamente pela a Lei complementar 116/97, além de legislações municipais, atento ao comando constitucional contido no artigo 156, III da Constituição Federal, é disciplinado pela referida lei complementar da seguinte forma: “artigo 1º — O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador”.
O ISS trata-se de tributo incidente sobre a efetiva prestação de um fazer humano consubstanciado em serviço, atrelado ainda, em observância ao critério da estrita legalidade, a já conhecida lista de serviços anexa à lei complementar, sob pena de absoluta ausência de previsão legal para cobrança.
Fica claro que na prestação de serviço tem que existir a figura do tomador, ou seja, aquele que recebe um serviço, noutro dizer, o ente que toma para si uma prestação de um fazer humano contratado. Já na figura do prestador, descobre-se o praticante direto do fato gerador, aquele que materializa, sob o ponto de vista da ótica tributária, a hipótese de incidência, o realizador da tarefa contratada.
Vale ressaltar, que o reconhecimento do encontro destes elementos é de suma importância, para fins da perfeita caracterização do serviço passível de tributação pelo ISS, independentemente da natureza do elo contratual que une os dois sujeitos implicados no fato. O contrato estabelecido, entre eles, é mera exteriorização da relação que se pretende travar, pois a essência do fato gerador repousa exatamente na ação realizada em si, para fins de caracterização da natureza da operação sob exame. Funciona assim, o pacto celebrado, apenas como indício não determinante do destino da tributação.
Portanto, só há ISS diante de uma efetiva prestação de serviço, e diga-se ainda, não sobre o seu resultado, pois independentemente deste, o serviço foi prestado. Em assim sendo, diante de uma obrigação de realizar o fato, como já brilhantemente pontuou o Mestre Aires F. Barreto, em sua reverenciada obra “Curso de Direito Tributário Municipal“, de 2009, se o ISS incidisse sobre a relação jurídica bastaria contratar a prestação de serviço para incidir imposto, independentemente da sua efetiva realização. Passando então, a ser um imposto sobre contratos e não sobre serviços.
A luz de tudo isto, analisa-se a venda de unidades imobiliárias quando construídas pelo incorporador, dono do terreno sob o qual o empreendimento foi implantado. Operação sob a qual a municipalidade vem exigindo, ilegalmente, o pagamento do Imposto sobre serviços.
Os negócios de venda de unidades imobiliárias exteriorizam-se em compra de imóvel com entrega futura, na qual, o vendedor das unidades se responsabiliza a realizar a construção seja por ele próprio ou mediante contratação de terceiro. Em sendo um terceiro, o responsável pela construção do imóvel, facilmente identificam-se as figuras do tomador do serviço (incorporador, que pode ser o dono de imóvel) e do prestador dos serviços (mero construtor). O problema está quando o dono do imóvel e o construtor fundem-se na mesma pessoa, pois a pertinência do ISS desaparece justamente quando se revela a inexistência dos dois sujeitos individualizados, o prestador e o tomador dos serviços, ante a obviedade de ninguém poder prestar serviço para si próprio.
Esta configuração, de suma importância, é definidora do destino desta operação, sob o ponto de vista da tributação local. Pois que a verdadeira compreensão da realidade fática é que determinará com absoluta legitimidade a pertinência do direito da Municipalidade ao ISS.
Num outro enfoque, já percebido pelo STJ, não é simples o fato de as unidades imobiliárias serem vendidas na planta que é determinante para caracterizar a prestação de serviço. Para o órgão, merece análise toda a configuração da operação, identificando-se os elementos necessários para existência de prestação de serviço passível de incidência de ISS.
De fato, pela natureza deste contrato de venda futura, é efetivamente a empresa, por vezes dona do terreno no qual será erguida a edificação, que arca com todos os seus custos, riscos e eventuais prejuízos, distintamente das chamadas construção por condomínio, pois os custos não necessariamente guardam relação com valor pago pelos adquirentes da unidade a ser construída, e, muitas vezes, estes recursos não são diretamente e integralmente usados para a obra, havendo casos em que ela é custeada pelo incorporador. Esvazia-se, assim, por completo a fundamentação jurídica da cobrança do ISS, na medida em que a construção é etapa de um núcleo muito maior que é a entrega da unidade imobiliária, especialmente, diante da constatação de não ser possível prestação de serviço para si próprio.
Resgatando um salutar tecnicismo, nota-se ainda que a própria designação do termo incorporação, na letra da norma (Lei 4.591/64), deixa dúvida acerca da pertinência da pretendida incidência do ISS, não fazendo parte, inclusive, do rol de serviços expostos na lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/03, nem tampouco se encontra na lista anterior que acompanhava o Decreto-Lei 406/68, fragilizando ainda mais a pretensa cobrança.
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu por diversas vezes que se o incorporador assume as funções de construtor e em terreno alheio, realizada por forma de empreitada ou de administração, está obrigado ao tributo. Na hipótese referida, tem-se uma construção sob encomenda em terreno de terceiro, se delineado, claramente, a figura do tomador e a do prestador, sob a qual, configura-se fato gerador de ISS incidente, repise-se, sobre a construção feita pelo incorporador que cumulou as duas tarefas.
Enquanto não seja possível a prestação de serviço para si próprio, somando-se inexistência expressa do item incorporação da lista dos serviços do ISS, mostra-se ilegal qualquer tentativa de cobrança do referido imposto, devendo as empresas, ficarem atentas, a mais esta investida do fisco contra seu patrimônio.
COMENTÁRIO DE OMAR AUGUSTO LEITE MELO: no livro que escrevi em coautoria com Francisco Ramos Mangieri, eu defendi esse entendimento pacificado pelo STJ (1ª e 2ª Turmas), no sentido do ISS não poder incidir sobre as incorporações diretas (construídas em terreno próprio). Vale dizer que, com a exclusão do ISS, esses valores passar a sofrer a incidência do ITBI, o que pode neutralizar eventual perda de arrecadação municipal.
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