A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que uma gestora de fundos de investimento deve recolher o Imposto sobre Serviços (ISS) no Brasil, ainda que preste serviços para empresa residente no exterior – no caso concreto, um fundo sediado nos Estados Unidos.
A discussão encerrou-se na terça-feira (4/5) após várias interrupções no julgamento por adiamentos, pedidos de vista, e até mesmo o pedido de desistência da ação pela contribuinte, Onyx Equity Management Gestora de Investimentos Ltda. A discussão consta no AREsp 1.150.353/SP.
Por 4 votos a 1, prevaleceu a cobrança do tributo, conforme voto do relator, o ministro Gurgel de Faria, que foi acompanhado por Regina Helena Costa, Benedito Gonçalves e Sérgio Kukina. A divergência foi aberta pelo ex-ministro Napoleão Nunes Maia Filho.
Segundo o voto vista do ministro Benedito Gonçalves, o assunto deve ser discutido com base no “caso a caso”, sem aplicar o mesmo entendimento do processo em discussão para outras situações e processos semelhantes. Sem adicionar outros argumentos no seu voto, o ministro acompanhou o relator do processo.
A ministra Regina Helena Costa também reforçou no julgamento que o exame da situação deve ser feito no “caso a caso”. “As aplicações financeiras são muito diversas, o mercado de capital é muito amplo. Não penso que seja possível afirmar e firmar em todos os casos do modo como estamos fazendo nessa hipótese”, disse.
O ministro Sérgio Kukina também fez um voto resumido, somente reiterando a ementa produzida pelo relator e acompanhando o posicionamento integralmente.
A Onyx Equity Management Gestora de Investimentos Ltda chegou a pedir desistência da ação. No entanto, no dia 2 de fevereiro de 2021, os ministros negaram a possibilidade por entenderem que o julgamento já estava avançado, uma vez que três dos cinco ministros que compõem a turma já haviam se manifestado, sendo dois contrários à tese da empresa e um favorável.
A gestora, sediada em São Paulo, defende que a situação do processo seria uma exportação de serviço, hipótese em que não há a incidência de ISS. O período de cobrança do imposto em questão foi de outubro de 2012 a janeiro de 2013.
Por outro lado, o fisco paulistano argumenta que a lei complementar 116/2003 mantém a incidência do imposto no caso de serviços desenvolvidos no Brasil que promovam resultados em território nacional, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) entendeu que a cobrança do tributo pelo município era legítima porque os valores tributados referem-se às taxas de serviços e não ao rendimento do capital estrangeiro remetido para o exterior. Além disso, o tribunal entendeu que não se trata de exportação de serviços para o exterior, conforme a empresa alegava, o que a deixaria isenta do imposto municipal.
O relator, ministro Gurgel de Faria, votou pelo não provimento do recurso da empresa. Para ele, os efeitos dos serviços prestados pela companhia foram sentidos em território nacional e não no exterior, portanto, não prospera a tese de exportação de serviço, de maneira que o ISS deve incidir.
O ministro Napoleão Nunes Maia Filho abriu a divergência. Para ele, o resultado do serviço prestado está no exterior, portanto, não incide o ISS. Ele lembrou que a legislação criada sobre o assunto tinha como objetivo atrair investimentos internacionais à economia brasileira.
Vitória para os municípios
Por ser uma tese nova no STJ, a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais Brasileiras (Abrasf) tentou ingressar como amicus curiae no processo, mas não foi admitida. Em memorial entregue aos ministros da 1ª Turma, a associação defendeu que “a importação de serviços não gera sequer 1% do total de arrecadação do ISS, e mesmo no caso de São Paulo e do Rio de Janeiro, jamais ultrapassou a casa dos 5% da arrecadação total”. Para a Abrasf, a baixa contribuição se dá por conta da indefinição sobre o que é entendido como “resultado” no Brasil e o que pode ser ou não tributado.
A Abrasf comemorou a vitória no STJ por entender que a decisão vai aclarar a situação sobre a cobrança do ISS de serviços prestados para países fora do Brasil. Segundo levantamento realizado pela entidade, em São Paulo, existem 14 acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre o tema, sendo sete favoráveis aos contribuintes e sete favoráveis ao fisco. Desses, três transitaram em julgado a favor dos contribuintes e outros três a favor do município de São Paulo.
Fonte: JOTA.
FLÁVIA MAIA – Repórter em Brasília. Cobre tributário, em especial no Carf, no STJ e no STF. Foi repórter do jornal Correio Braziliense e assessora de comunicação da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Faz graduação em Direito no IDP. Email: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
ALEXANDRE LEORATTI – Repórter em Brasília. Faz ☺parte da equipe de Tributário, com foco na cobertura do Carf, PGFN e Receita Federal. Antes de atuar em Brasília, foi repórter do JOTA em São Paulo. Email: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
COMENTÁRIO DE OMAR AUGUSTO LEITE MELO: primeiramente, é importante destacar que se trata de uma decisão da 1ª Turma do STJ, ou seja, não é uma decisão definitiva do Tribunal da Cidadania, pois a 2ª Turma também pode ser chamada a decidir sobre esse tema.
Agora, o que eu reputo mais importante destacar é que os próprios ministros advertiram que esse tipo de assunto demanda uma análise casuística (caso a caso), de tal forma que não dá para levar totalmente em consideração essa decisão para aplicar num outro caso que envolva serviços diferentes. Parece-me que esse precedente se aplica, por analogia, aos casos que envolvam serviços financeiros de administração de fundos de investimento (subitem 15.01 da lista de serviços anexa à LC 116), quando a administradora presta o serviço aqui no Brasil, e o resultado também ocorre por aqui.
Particularmente, concordo com essa decisão da 1ª Turma, quando considera que o "resultado" do serviço se verificou aqui no Brasil, diferenciando o "resultado do serviço" (prestação e conclusão da atividade) da "vantagem ou benefício" auferido pelo cliente estrangeiro, consistente na remuneração financeira, ou seja, o serviço se verificou aqui no Brasil; o dinheiro (rendimento financeiro) é que foi para o exterior. Cabe, assim, diferenciar "resultado do serviço" (=atividade objetivamente considerada) e "ganho-benefício-vantagem-lucro-êxito" auferido com o serviço. Ora, e se o serviço tivesse gerado um prejuízo para o cliente? Essa pergunta auxilia na separação entre resultado "do serviço" e "benefício" do serviço.
Outra questão importante: a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, associado obviamente ao trabalho desenvolvido pelo prestador; a base não é o lucro ou vantagem gerada pelo serviço. "Mutatis mutandis", imaginemos uma sociedade de advogados que presta serviços jurídicos aqui no Brasil para uma empresa estrangeira: todos os serviços foram realizados por aqui, exceto algumas atividades-meio relacionadas a contato com o cliente (ex.: reunião). Fruto desse serviço, a cliente estrangeira recebeu um benefício financeiro advindo do ganho da causa e esse dinheiro foi, então, levado ao estrangeiro. Ora, não houve uma exportação de serviço, mas sim uma "exportação" financeira!
Mas, enfim, trata-se de um caso importante sobre esse assunto cada vez mais crescente envolvendo a tributação do ISS no comércio exterior (importação e exportação de serviços).