Os acórdãos levam em consideração entendimento secundário adotado em julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a imunidade de ITBI prevista na Constituição. Em agosto do ano passado, os ministros, por maioria de votos, decidiram que o benefício não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado (RE 796376).
Prevaleceu no julgamento o voto do ministro Alexandre de Moraes. Foi ele quem, ao analisar a previsão constitucional, reconheceu a extensão da imunidade a empresas e fundos dedicados a atividades imobiliárias. A discussão envolve o parágrafo 2º, inciso I, do artigo 156 da Constituição.
O dispositivo afirma que o ITBI “não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”.
Ao interpretar o dispositivo, Moraes entendeu que a ressalva tratada no fim do texto — envolvendo o setor imobiliário — se refere apenas à transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica — ou seja, excluindo a hipótese de integralização de capital social.
“A tese, se prosperar, tem um impacto milionário para o setor”, diz o Bruno Sigaud, do Sigaud Advogados. Para ele, as empresas poderiam pedir restituição do que pagaram nos últimos cinco anos, além de, para cada nova operação, não precisar arcar com um ITBI até então exigido na integralização de imóvel. O imposto varia entre 2% e 3%, a depender do município. Como se trata do setor imobiliário, que costuma fazer essa operação com frequência, os valores podem ser significativos, acrescenta o advogado Thiago Marigo, do Freitas Leite Advogados.
A decisão do TJ-SP beneficia uma empresa que buscava a imunidade de ITBI na integralização de um imóvel de R$ 7 milhões em seu capital social. Ela obteve tutela antecipada (espécie de liminar) na 14ª Câmara de Direito Público — agravo de Instrumento nº 2042850-06.2021.8.26.0000.
Em seu voto, o relator, desembargador Kleber Leyser de Aquino, afirma que está revendo entendimento anterior “a fim de curvar-me” ao recente posicionamento do Supremo. “Entendo que a parte final do artigo 156, parágrafo 2º, inciso I, da Constituição Federal, refere-se apenas à transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, excluída a hipótese de integralização de capital social”, diz.
No caso do Ceará, que envolve contribuinte do município de Caucaia, o relator para o acórdão, desembargador Fernando Luiz Luiz Ximenes Rocha, da 1ª Câmara de Direito Público, afirma em seu voto que essa nova orientação “é contrária à jurisprudência majoritária dos tribunais pátrios, que, até então, sempre utilizavam a análise da existência ou não de atividade preponderante para fins de cobrança de ITBI, mesmo na hipótese de integralização de capital” (processo nº 0011320-46.2019.8.06.0064).
Até então, só faziam jus à imunidade do ITBI as empresas que não tinham como atividade preponderante a imobiliária. Isso porque o artigo 37 do Código Tributário Nacional (CTN), de 1966, traz expressamente essa ressalva. Há dúvida, porém, segundo o advogado Thiago Marigo, se o artigo 37 da norma, que trata da questão, teria sido recepcionado pela Constituição de 1988.
Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que “ irá interpor todos os recursos cabíveis, quando será demonstrado o desacerto da decisão”. O recurso, acrescenta, “ foi julgado sem prévia oitiva do município, que ainda não havia recebido citação nos autos”. O Valor não conseguiu localizar algum representante da Prefeitura de Caucaia para comentar a decisão do TJ-CE.
Fonte: Valor Econômico
COMENTÁRIO DE FRANCISCO MANGIERI: continuo entendendo que o requisito da não preponderância da atividade proibitiva à imunidade é aplicável também à realização de capital com bens imóveis.
Friso que essa questão não fez parte da decisão do STF no julgado referido. O Ministro Alexandre de Moraes apenas explicitou o seu pensamento sobre tal ponto quando julgava outro tema, qual seja, o da não extensão da imunidade à diferença entre o valor de mercado e aquele pelo qual o imóvel foi efetivamente integralizado ao capital da empresa.
Destarte, oriento as prefeituras a continuarem aplicando normalmente o art. 37 do CTN e a defender tal posicionamento na justiça, quando for o caso, pois esse entendimento manifestado pelo Ministro Moraes vai de encontro à jurisprudência tradicional da matéria.