FRANCISCO MANGIERI:
Em dois momentos surgem dúvidas sobre a incidência do ITBI:
1º momento: quando da transferência da propriedade fiduciária para o banco fiduciário (credor);
2º momento: na consolidação da propriedade em nome do fiduciário (credor).
Pois bem, a Segunda Turma do STJ, em decisão recentíssima, entendeu que ocorre sim o fato gerador do ITBI no segundo momento, quando da consolidação da propriedade plena em nome do credor-fiduciário, em razão do não pagamento do financiamento. O argumento principal é que, neste caso, ocorre a desconstituição do contrato real de garantia, o que legitima a incidência.
Já no primeiro momento não incide, visto que a transmissão da propriedade resolúvel está inequivocamente inserida no contrato de alienação fiduciária, que constitui um direito real de garantia, expressamente excluído da incidência pelo art. 156, II, da CF/88.
Segue a ementa do julgado abaixo:
Processo
RECURSO ESPECIAL
2019/0316406-8
Relator(a)
Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES (1141)
Órgão Julgador
T2 - SEGUNDA TURMA
Data do Julgamento
05/05/2020
Data da Publicação/Fonte
DJe 14/05/2020
Ementa
PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. ITBI. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. INADIMPLEMENTO POR PARTE DO DEVEDOR-FIDUCIANTE. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE PLENA EM NOME DO CREDOR-FIDUCIÁRIO. IMPOSTO SOBRE A TRANSMISSÃO "INTER VIVOS" DE BENS IMÓVEIS E DIREITOS A ELES RELATIVOS - ITBI. INCIDÊNCIA. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. A hipótese destes autos cinge-se em averiguar se é devido ou não o recolhimento do ITBI por ocasião da consolidação da propriedade do imóvel em nome do credor fiduciário nos casos de inadimplemento pelo devedor fiduciante. 2. Deveras, de acordo com o Código Tributário Nacional, o fato gerador do ITBI ocorre com a transmissão onerosa, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, ou, ademais, em face da transmissão onerosa de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia, e, por fim, com a cessão de direitos relativos às transmissões anteriormente mencionadas. 3. A questão jurídica posta neste apelo especial busca examinar a incidência de ITBI na execução do contrato de alienação fiduciária em razão do inadimplemento do devedor-fiduciante e consolidação da garantia real a favor do credor-fiduciante. 4. Deveras, este contrato de direito real se materializa com o registro do contrato fiduciário no Registro de Imóveis competente, cujo teor confere ao credor-fiduciário a propriedade resolúvel do imóvel pactuado, com o exercício da posse indireta desse bem, cabendo ao devedor-fiduciante, por sua vez, a posse direta, exercendo-a através de uma condição negocial resolutória, condicionado ao regular adimplemento das prestações pactuadas com o credor-fiduciário, nos termos do artigo 23 da Lei n.º 9.514/1997. 5. O tratamento tributário quanto à incidência do ITBI no momento de resolução da garantia firmada - como no caso em tela -, merece ser enfrentado. Na hipótese de a dívida oriunda do contrato de alienação fiduciária vir a vencer sem o adimplemento integral ou parcialmente do débito, o devedor fiduciante será intimado a recolher o valor do débito e, caso não haja a regularização desta dívida, a propriedade do imóvel oferecido em garantia será consolidada em favor do credor fiduciário, nos termos do artigo 26, caput, da Lei nº 9.514/1997. Como a hipótese referida ocasiona a desconstituição do contrato real de garantia, de modo a consolidar a propriedade plena do imóvel pactuado ao credor-fiduciário, retornará para este o domínio integral de todos os poderes inerentes ao direito real sobre o bem imóvel (artigo 1.225, inciso I, do Código Civil), caracterizando-se neste ínterim um ato de transmissão, a qualquer título, de um domínio de propriedade, que por igual sentido, acarretará a deflagração da hipótese de incidência do artigo 35, inciso I, do CTN, validando-se outrossim, a determinação contida no artigo 26, § 7º, da Lei n.º 9.514/97. 6. Recurso Especial não provido.
COMENTÁRIO DE OMAR AUGUSTO LEITE MELO: gostaria de contribuir para o debate. Particularmente, concordo com essa posição acima do STJ. Mas questiono: com base no art. 150, §7º, da Constituição Federal, os Municípios poderiam cobrar "antecipadamente" o ITBI no primeiro momento (transferência da propriedade fiduciária para o credor), na condição de "fato gerador presumido", com a promessa de devolução posterior do dinheiro, na hipótese do devedor fiduciário quitar sua dívida e, por conseguinte, afastando aquele segundo momento (consolidação da propriedade)? Talvez, caiba uma pergunta anterior: o referido dispositivo constitucional se estende ao ITBI, na condição de um imposto monofásico, não inserido numa cadeia produtiva ou comercial? Particularmente, entendo que esse dispositivo pode ser aplicado ao ITBI. Porém, para este caso da alineação fiduciária, isto não é cabível, pois a presunção deve estar necessariamente do lado do devedor, isto é, que o devedor fiduciário vai quitar sua dívida e evitar a consolidação da propriedade em favor do credor. Assim, não preenche o requisito constitucional de que o "fato gerador deva ocorrer posteriormente". Por outro lado, a lavratura de uma escritura pública de compra e venda, muito embora não implique na transferência da propriedade (algo que só ocorrerá posteriormente, quando do seu registro) já me parece ser um evento que cabe na previsão constitucional, na medida em que é perfeitamente previsível que essa escritura seja registrada na sequência. Mais complicado seria a cobrança do ITBI sobre um contrato imobiliário particular, mas também entendo que seja possível a tributação antecipada do ITBI pois quem adquire a posse com ânimo de dono tende a tomar as providências formais para totalizar seus direitos reais sobre o imóvel, ou seja, também é previsível que esse adquirente futuramente busque a escritura e o registro imobiliário.